terça-feira, 20 de abril de 2021

EDITAR UM LIVRO É SEMPRE UM RISCO - Edição em Portugal

Numa grande estante cheia de livros, cabem histórias provenientes de lugares geograficamente distantes, autores que se cruzaram em vida e outros que nunca se conheceram. Por muito diversas que possam ser as narrativas, as edições e o estilo de escrita dos próprios autores, há um fator que têm sempre em comum: alguém escolheu editá-los. Como escolher um livro para editar? É uma pergunta com múltiplas respostas.


De Carolina Franco


Na viagem que um livro percorre até chegar à estante cheia de outros títulos, seja numa livraria ou numa biblioteca, existe um trabalho demorado, que implica decisões a cada passo que podem ditar o posicionamento desse mesmo livro. No trabalho de edição, o primeiro passo pode ser o mais entusiasmante, mas será, certamente, o que implica mais risco. Escolher editar um autor em detrimento de outro, ou um título desse mesmo autor ao invés de outro, pode representar um risco. Não é fácil prever o seu impacto no panorama literário, sobretudo se for uma voz jovem e dissidente. Mas Carmen Serrano (Grupo Leya), Diogo Madre Deus (editoras Elsinore e Cavalo de Ferro) e Gonçalo Gama Pinto (Agência Literária Ilídio Matos) garantem: vale sempre a pena entrar na viagem.

Os motivos que levam um editor a escolher um livro para editar são variados, encontrando-se intrinsecamente ligados ao perfil literário de cada editora ou chancela editorial. Como se ao escolher um autor e determinado livro para traduzir se estivesse a acrescentar uma camada à identidade do grupo editorial, e uma espécie de membro à sua família sempre em crescimento. No caso de obras traduzidas, optar pela sua edição pode ser, também, o construir de uma ponte com o que foi feito ou o que se está a fazer no contexto literário do país em que foi escrito.

Carmen Serrano, editora do Grupo Leya responsável pela publicação de ficção traduzida, conta que “a definição das linhas orientadoras dos catálogos das chancelas é importante para a criação da identidade de cada uma delas mas, após esse momento inicial, a escolha dos livros é bastante pessoal”. Embora adeque os critérios de seleção aos géneros que publica, dentro do universo da ficção, o que a move é a relação que estabelece com o texto. “Seja pela escrita, pela voz do autor, pelo enredo, o tema, os personagens ou, idealmente, pela junção de todos estes fatores”, a editora mergulha “totalmente nos universos dos escritores”.

Se no caso da Leya o processo de edição parte de um género que se estende a várias editoras de um mesmo grupo, no caso de Diogo Madre Deus, editor na Cavalo de Ferro e Elsinore, existe um olhar para diferentes géneros literários que integram as editoras que gere. “Na Cavalo de Ferro e Elsinore, apesar de distintas, preocupo-me, no interior da literatura, com certa literatura, com a coerência do conjunto, com a construção de um catálogo de autores que sejam afins”, explica.

Editar um livro é, nas palavras da editora da Leya, “uma imprevisibilidade desconcertante, entusiasmante e motivadora”. Optar por editar um livro com bastante sucesso a nível internacional não significa necessariamente que o mesmo terá sucesso em Portugal; aliás, “é impossível prever um grande sucesso”, garante. “Se um livro ou autor ganhar um prémio literário importante ou visibilidade internacional, a probabilidade de se destacar em Portugal é maior, claro, mas será sempre uma incógnita até ao momento em que o livro vai para as livrarias.” Diogo Madre Deus arrisca mesmo dizer que “em Portugal editar um livro é, por si só, um risco”. “Não há propriamente nenhuma garantia, mesmo quando falamos de traduzir um best seller. Só se percebe se o investimento valeu a pena depois de editar”, explica. Além disso, importa referir que “o resultado de vendas não é sempre o único argumento a contribuir para essa validade.” Sobre best sellers, a editora do Grupo Leya acrescenta que “em países como Portugal, Espanha, França, Itália, Reino Unido, Alemanha, as listas de livros mais vendidos têm inevitavelmente alguns títulos em comum, mas a diversidade é maior do que a homogeneidade”.


FEIRAS E AGENTES LITERÁRIOS: AS PONTES DA EDIÇÃO

Há já 64 anos que a Agência Literária Ilídio Matos tem um papel preponderante na edição de livros em Portugal. Representa editoras e agências estrangeiras e, segundo o atual diretor, Gonçalo Gama Pinto, o seu trabalho passa sobretudo por “proativamente fazer a ponte entre as editoras portuguesas e os catálogos” que representa, “tentando encontrar as editoras certas para determinados títulos e autores”.  No caso dos clientes estrangeiros, Gonçalo Gama Pinto conta que a mais-valia do agente local é “conhecer bem os catálogos estrangeiros com que se trabalha e os catálogos das editoras portuguesas”. “Para além das novidades, um trabalho que considero importante é o de ‘vasculhar’ as backlists e sugerir títulos que, por alguma razão, estão indisponíveis há muito em Portugal ou que nunca foram sequer cá publicados”, partilha.

A agência é responsável por todo o processo que implica o momento inicial da edição: “desde o envio de manuscritos para avaliação à negociação dos direitos de tradução, preparação de contratos, facilitar o contacto com autores para eventuais deslocações ou outras ações de promoção do livro”. O diretor aponta como principais critérios para a escolha de um livro que venha a ser traduzido e publicado em Portugal, “o fator comercial” e, naturalmente, “a qualidade ou pertinência da obra” — sendo que este último se aplica “sobretudo às editoras mais pequenas, independentes, e que fazem hoje um trabalho mais arriscado”.

“É de realçar a importância de certas tendências internacionais, o trabalho das editoras em oferecer aos leitores portugueses o que se passa lá fora”, diz o diretor da Agência Ilídio Matos. Quanto à visibilidade dos autores editados, Carmen acredita que “os agentes literários continuam a desempenhar um papel fundamental, principalmente na divulgação de jovens autores e primeiras obras, uma vez que os autores consagrados já beneficiam de canais de comunicação privilegiados”, sendo, por isso, feiras literárias como as de Londres (março/abril) e de Frankfurt (outubro) lugares importantes para o encontro.
Como lembra Gonçalo Gama Pinto, a dimensão da editora dita algumas das preocupações existentes na seleção. Em grande parte dos casos, os agentes representantes de autores e as feiras internacionais trazem as novidades e oportunidades; segundo Diogo Madre Deus, estes “sugerem novidades editoriais: aquilo que neste momento se produz ou é valorizado”. “É muito importante, essencial, dependendo das editoras, mas nem sempre aquilo que nos é sugerido por esta forma é o melhor ou o que queremos”, diz o editor, acrescentando que, no caso da Cavalo de Ferro, há outros critérios de seleção como “as leituras, as referências pessoais, as conversas e opiniões que nos levam a determinado livro ou autor”.

O QUE PESA NA TRADUÇÃO DE ALEMÃO PARA PORTUGUÊS?

Atendendo às décadas de experiência da sua agência, Gonçalo Gama Pinto nota que “atualmente se publicam mais livros, um pouco por todos os géneros”. No caso dos títulos de língua alemã, a sua “colaboração com várias editoras é mais recente”, uma vez que a língua foi sendo um obstáculo, “já que o acesso ao texto original é mais difícil”. “Mesmo quando o interesse de uma editora num determinado livro é notório, acaba sempre por se perder algum momentum à espera que uma eventual tradução (numa língua “legível”, como o inglês, o francês, o italiano ou o espanhol) fique pronta”, contextualiza. E outra questão a ter em conta é o preço da tradução, questão para a qual os programas de apoio, bem como os portais LETRA e Litrix, são bastante importantes.

Diogo Madre Deus acrescenta que “há muito pouca edição de autores alemães contemporâneos no nosso país”, mas que “não é problema exclusivo desta língua”. Além do custo da tradução, acredita que a expressão ainda pouco pronunciada de autores alemães se deve à “ainda fraca divulgação, aos poucos tradutores disponíveis, o predomínio anglosaxónico, a reduzida dimensão da nossa oferta”. Numa análise positiva, Gonçalo Gama Pinto diz que “talvez se tenha arriscado, timidamente, um pouco mais nos últimos anos, no que diz respeito a nomes desconhecidos ou mesmo novos nomes do panorama literário alemão”.

“Autores clássicos como Mann, Musil, Hesse, Sebald, Fallada, Zweig, Grass, acabamos por encontrar sempre nas livrarias, mas já tem sido possível fazer chegar aos leitores portugueses nomes novos, desconhecidos ou, embora estabelecidos, pouco traduzidos em Portugal, como Sasha Marianna Salzmann, Marion Poschmann, Daniel Kehlmann, Eugen Ruge, Robert Menasse ou Judith Schalansky (a ser publicada em 2021).” Vale sempre a pena arriscar.


AUTORA

Carolina Franco é jornalista no Gerador, e olha para assuntos internacionais no Shifter. Nascida no Porto, aprofundou o seu interesse na cultura e na arte enquanto estudou na Escola Artística de Soares dos Reis. Licenciou-se em Ciências da Comunicação pela Universidade Lusófona do Porto, passou uns tempos em Ljubljana e, na procura por outros olhares sobre o mundo, começou o mestrado em Antropologia – Culturas Visuais da Universidade Nova de Lisboa, onde se encontra agora.


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