Escrita independente ganha espaço nas ruas de Porto Alegre
Feira foi viabilizada com apoio de autores através de recursos exclusivamente colaborativos
O clima agradável do domingo, 17/5, proporcionou o cenário perfeito para a 1ª Feira do Livro Independente de Porto Alegre, que levou centenas de pessoas à Rua João Telles, no bairro Bom Fim, em Porto Alegre (RS). O evento reuniu mais de 80 autores independentes em um espaço preparado para a troca de ideias, exposição e venda direta das obras. Entre os expositores estavam escritores e ilustradores locais.
De acordo com o escritor e organizador do evento, Gabriel Cianeto, a feira surgiu a partir de uma necessidade de ter um espaço no qual pudesse expor suas obras para o público leitor. Por não ser um escritor muito conhecido, achava difícil chegar ao público, apesar de receber um bom retorno nas oportunidades de exposição. “Percebi que faltava essa ligação, essa possibilidade de encontro entre autor e público. Imaginei que houvesse vários outros autores com a mesma necessidade. Foi aí que surgiu a ideia da Feira do Livro Independente”, explica.
Caracterizada totalmente pela iniciativa popular, a feira não recebeu aporte de nenhuma instituição pública ou privada, contando apenas com a colaboração espontânea dos inscritos. Para que o evento fosse projetado, Cianeto teve auxílio de uma equipe atuando na organização. Entre eles, um intérprete de Libras-Português, com o objetivo de levar mais acessibilidade ao evento. Por ter estudado Libras, o organizador diz que compreende a importância da presença do profissional como um fator de acessibilidade social. “Chamamos o intérprete para estar aqui disponível tanto para os autores quanto para os visitantes surdos.”
Inicialmente, a feira estava marcada para o dia 5 de maio, mas precisou ser cancelada devido ao tempo instável. Com isso, a inscrição também foi prorrogada, agregando mais autores para a exposição. O organizador esperava receber entre 20 e 30 adesões, mas foi surpreendido com 60 para a primeira data. “Quando resolvi abrir novamente as inscrições, muitos que não tinham visto a tempo puderam participar, ultrapassando a marca de 80 participantes”, recorda.
Divisão que integra
A Feira do Livro Independente aconteceu de forma simultânea com a já tradicional Tô na Rua, que ocorre no mesmo local. “Somente depois de marcar o evento vi que a Tô na Rua ia acontecer também. Então, fiz contato com a organização do evento e vimos como solução unir o público das duas, como forma de somar”, afirma Cianeto. A junção foi bem vista pelos participantes. Julia Gonçalves, 24 anos, chegou no local para a Tô na Rua, mas se surpreendeu quando viu a Feira. “Foi uma grata surpresa. Gosto muito da leitura e conhecer novos autores é sempre bom”, diz.
Mas não foram só os visitantes que se alegraram com a integração das feiras. O escritor Mário Augusto Pool, autor de sete publicações, esteve presente expondo suas obras, como a mais recente, No Nevoeiro, de 2018. Para ele, mais importante do que capitalizar o livro, é divulgá-lo. “É uma das melhores experiências que já participei, não só em grupo como individual, porque ela tem essa capacidade de prospectar novos leitores. Além disso, é incrível a capacidade de divulgação”, comenta.
Mario dividiu a banca com mais quatro autores que conheceu através de um curso de formação de escritores. Gilberto Fonseca, Felipe Nunes, Adriana Maschmann e Maurício Schames expõem, realizam eventos e buscam a divulgação de suas obras em conjunto. Também novo no mundo literário, Gilberto Fonseca apresentou sua estreia na literatura juvenil, com o livro A Casa no Fim da Rua. Ele elogiou a criação da Feira. “A iniciativa é extremamente interessante e está um clima super agradável. A junção com o Tô na Rua deu muito certo”, fala.
Jovens oportunidades
Mike Lorry, 19 anos, está no Brasil desde 2017. Desde que veio do Haiti, sua terra natal, empenhou-se em aprender a língua portuguesa para poder conversar com o público através das palavras. Na companhia do irmão Joseph, de 14 anos, ele integrou a Feira do Livro Independente com seus três zines, que falam sobre amor, felicidade e sobre sua vida. “É muito bom estar aqui. Vi o evento no Facebook e me inscrevi para participar. É minha primeira vez expondo”, comenta.
Apesar de estar no país há pouco tempo, Mike se esforça e já fala a língua sem dificuldade. Suas obras são escritas em português e inglês. A última publicada, chamada Inimigo em Comum, traz ainda a tradução para o crioulo, sua língua nativa.
A escritora juvenil Miriam Dohrn, uma das primeiras a realizar a inscrição para a feira, apresentou seu primeiro livro, intitulado Detektis. Ela traduz o que a feira representou para os expositores, em suma maioria independentes. “Foi uma importante oportunidade para os autores que não têm uma editora e nem um espaço em livrarias para expor suas obras direto para o público”, cita.
Com o sucesso da primeira experiência, Cianeto já projeta uma segunda edição. A ideia é realizar a feira anualmente. A pedido de alguns autores, será estudada a possibilidade de um evento semestral. “Todos os retornos que eu tenho recebido é de que estávamos precisando de um evento assim, de ter um espaço para escritores independentes”, finaliza.