Aos 84 anos, o membro da Academia Brasileira de Letras diz durante a Fliss que aprendeu a organizar a casa e está começando um novo romance
Aos 84 anos, o jornalista e romancista Ignácio de Loyola Brandão vive uma fase singular. Um período de descobertas. O isolamento decorrente da pandemia do coronavírus tem ensinado lições importantes a esse mestre da literatura, membro da Academia Brasileira de Letras, especialmente do ponto de vista pessoal. “Agora sei onde ficam os lençóis, as fronhas, os pratos, as travessas, os temperos e os copos. Antes, eu era um estranho dentro da minha casa. Não sabia onde tinha um vaso para colocar flor. Agora eu sei”, confidenciou o escritor durante a Fliss, a Festa Literária Internacional de São Sebastião, que acontece até domingo de forma 100% online.
Diferentemente de muitos casais que falam em separação, esse paulista de Araraquara conta que a quarentena tem feito bem para o seu convívio com a mulher Márcia, arquiteta com quem está casado há 37 anos. “Estamos mais próximos. A coisa ficou mais leve e cordial”, contou.
Atualmente, é ele quem prepara o café da manhã e lava a louça, tarefa que faz em paralelo às horas de escrita. E lá se foram 10 páginas, o embrião de um possível futuro romance. Em fase inicial, a obra já ganhou até título provisório. A paixão pela escrita, recorda, é atribuída às professoras da infância. Uma delas, inclusive, disse uma frase em sala de aula que o pequeno Ignácio jamais viria a esquecer. “A fantasia ajuda a suportar a vida”, repete.
E é essa fantasia que tem levado o escritor a sobreviver à quarentena e a se deparar diariamente com um material riquíssimo advindo da pandemia. Amplo, diverso, mas também complexo, trágico e dolorido. “Eu ainda preciso trabalhar isso dentro de mim. É muito cedo, estou muito dentro ainda, tenho medo de fazer coisas erradas. Se eu sobreviver… Na minha idade, eu sei que o meu tempo é curto”, revela.
A morte não é um tabu para esse autor de tantas histórias. Preocupado? Não, Brandão não se preocupa com o tema. “No meu tempo eu me vou. Em 1996, eu descobri que tinha um aneurisma na artéria cerebral direita. Fui para o médico e descobri esse chamado assassino silencioso, que não apresenta sintomas. Trata-se de um derrame que te leva embora. Por um acaso, consegui descobrir fazendo exame para outra coisa, fiz a cirurgia e estou aqui.”
Hoje, Brandão prefere falar da vida à morte. Para ele, viver permite sentir gostos, ouvir sons, ver cores, ter paladar. “Adoro a vida!”, celebra.
Ele discorre sobre seu público. “Relação entre leitor e autor é curiosa. Você não sabe para quem escreve. Alguns você sabe, mas fora disso não tenho ideia de quem são os leitores, do que fazem. O que um leitor deve fazer dentro do livro. Se encontrar, eu sou esse personagem, eu tenho os mesmos desejos, sonhos, pensamentos, imaginários, loucuras, rejeições. Tudo que ponho no livro é tudo que eu ponho dentro de mim. As mesmas angústias, ansiedades. Quando o leitor não encontra isso, ele abandona o livro. Todo mundo já abandonou um livro e isso me dá muita culpa.”
Brandão segue o raciocínio. “Mas Jorge Luis Borges disse que parava com certos autores, porque o autor fracassou com ele. Então eu também paro. Não dirijo, não sei dirigir. E adoro quando vejo alguém está lendo um livro meu. Eu me aproximo, sento ao lado, às vezes a pessoa está riscando uma frase e eu vejo se aquela frase é a que eu escrevi, se é uma puta frase, uma frase linda. Tem frase que eu acho banal, que foi um clichê. Essa relação é muito misteriosa, você nunca sabe o que o leitor quer, precisa. Mas a literatura, a escrita te ilumina, te faz ver as coisas.” E termina expressando o desejo de todo escritor: “ Você precisa conquistar todos os leitores possíveis.”