Quem imaginaria que o maior sucesso do escritor, "Fernão Capelo Gaivota", publicado em 1970, foi recusado por todas as editoras de Nova York? Para ele, entretanto, obstáculos como esse, que surgem quando buscamos realizar aquilo que amamos, fazem parte do aprendizado. O que importa, segundo ele, é seguir o que o coração está pedindo, pois a vida se encarregará de nos dar de presente pequenas coincidências que nos ajudarão a perseverar em nossa caminhada.
- Voar está presente na maioria dos seus livros. O que voar significa para você?
Bach - Para mim, é uma expressão do que nós somos. Voar é um passo para expressar o espírito que todos nós sentimos e que é ilimitado. O avião é um meio de descobrir este espírito que está em mim e que não quer estar amarrado pela gravidade ou pelos limites. Somos expressões puras e ilimitadas de vida e de amor. A mágica do avião é um espelho da mágica do nosso espírito. Para voar qualquer avião, você deve acreditar em algo que não vê, na aerodinâmica. Isto é um grande princípio espiritual. Como isso voa, se é mais pesado que o ar? Graças à aerodinâmica. É só nos movermos a 15 milhas por hora e esta mágica acontece, este princípio nos levanta no ar. E quanto mais nós aprendemos sobre aerodinâmica, mais liberdade, vôo e poder nós temos. E quando aprendemos sobre nós mesmos e sobre o que está nos guiando, seguindo aquilo que realmente amamos, um princípio irá nos sustentar.
Que princípio seria esse?
Bach - Nós sempre vivenciamos coincidências em nossas vidas. Há um princípio nestas coincidências. Se nós estamos fazendo o que nós amamos, tentando dar o máximo de nós mesmos para dar de presente para o mundo aquilo que nós aprendemos, aquele princípio pode nos ajudar. Fernão Capelo Gaivota foi rejeitado por todos os grandes editores de Nova York. Mas a coincidência veio para mim na forma de duas pequenas correspondências que chegaram no mesmo dia. Em uma delas, havia meu manuscrito de Fernão Capelo Gaivota e uma nota do meu agente dizendo: "Richard, eu gosto da sua história e eu sei que você ama seu pequeno Fernão, mas ninguém em Manhattan vai imprimir esta história. Vamos deixÁ-la de lado". A outra correspondência era de uma editora de Nova York e dizia "Richard Bach, eu li alguns de seus livros e os achei interessante. Por acaso você tem algum manuscrito que não esteja comprometido com outra editora?". E, claro, eu tinha. Essa carta era de um editor diferente de uma editora que já havia rejeitado a história. Contei que ela já havia sido rejeitada, mas a moça foi cobrar esta decisão. De tanto que insistiu, a editora decidiu publicar, mas deram um orçamento bem baixo. Foram impressas somente 5.000 cópias. Depois que a história foi vendida, a editora pediu para eu encontrar um jeito de ilustrar a história. Então o princípio da coincidência veio novamente. Tenho um grande amigo que é fotógrafo e eu costumava dormir em seu estúdio quando ia para Nova York. Contei a ele que precisava ilustrar o livro e ele perguntou se poderia ser com fotografias. Eu disse que ficaria bem, mas que tínhamos um orçamento muito pequeno e não daria para contratá-lo para fotografar gaivotas. Ele não disse nada, só sorriu, pegou uma caixa e trouxe para eu abrir. Dentro havia 36 fotografias, todas de gaivotas. Dois anos antes, quando ele estudava fotografia, seu instrutor, que gostava do trabalho dele, lhe deu recursos para que tirasse as fotografias que quisesse, onde bem entendesse. Ele sentiu vontade de tirar fotografias de gaivotas. Nunca as tinha usado ou publicado. Estavam guardadas naquela caixa até que eu cheguei perguntando como é que eu ia ilustrar o meu livro. Foi inacreditável.
Foi seu maior sucesso comercial, não foi?
Bach - Fernão Capelo Gaivota foi o meu livro que vendeu o maior número de cópias. Foi traduzido em 45 línguas e é para mim um livro de sucesso. Mas a definição de sucesso para um escritor é quando ele alcança a última página de seu manuscrito, vivencia todo o livro em torno da última frase que escreve e sente que gosta. Naquele ponto o livro é um sucesso. Se vai ou não vender, é uma história completamente diferente, é sucesso comercial. Aquele princípio que eu te falei é atraído por quem leva seu trabalho adiante, por quem faz aquilo que realmente adora. Uma idéia para ser expressa precisa de algumas pessoas. Fernão Capelo Gaivota precisou de mim, porque havia a idéia de que alguma coisa poderia ser dita sobre o espírito humano através da gaivota. Então o princípio disse: pegue esta pessoa que adora voar, que adora gaivotas e lhe dê esta história.
O ponto é fazer o que você quer fazer, o que o fundo da sua alma deseja?
Bach - Não importa o que seja. Pode ser negócio, publicidade, estrelas, qualquer coisa que nos puxe. Nós pegamos a dádiva que é o nosso amor e aplicamos para qualquer lado, e damos este presente para os outros que nos agradecem comprando nossos livros, nossos produtos, indo ao cinema. Temos que acreditar no que amamos. Somos levados. Mas também temos a escolha de virar as costas para isso.
Como você caracterizaria teus livros?
Bach - Se há uma linha que corre por todos os meus livros é a da descoberta daquilo que nós realmente somos, dos dons e poderes que nós temos na ponta dos nossos dedos. Todos nós sentimos isso quando crianças. Todo mundo se sente de alguma maneira especial, mas assim que nós aprendemos a falar e crescemos em sociedade, muito freqüentemente nós somos rebaixados. Então nos dizem que há bilhões de pessoas no planeta, que não somos nada de especial. Então muitas pessoas jogam fora aquela pequena chama. E talvez aquela chama seja diminuída e só sobre uma faísca. Mas nós podemos em qualquer tempo da nossa vida lembrar dela, nos permitindo fazer o que nós sempre quisemos fazer. O que cabe a nós fazer não é o que as outras pessoas queriam que nós fizéssemos. É o que nós sentimos que sempre amamos. Acho que esta é a chave para viver uma vida alegre, mas não é uma vida fácil.
Liberdade e livre-arbítrio são valores muito importantes para você. Você acredita que todo mundo pode fazer escolhas e buscar a liberdade?
Bach - Eu acredito que todos nós ganhamos um presente quando nascemos, e isso pode fazer a gente transformar o mundo a nossa volta. Este presente é chamado imaginação. Muitas vezes nós damos muita importância para o que as pessoas dizem sobre nós e achamos que temos que viver a vida como elas gostariam que nós vivêssemos. É nossa escolha. Se fizermos isso, iremos sentir que "alguma coisa está faltando". Se chegarmos aos 100 anos, continuaremos a sentir que alguma coisa está faltando. Por outro lado, nós também temos a escolha de seguir o que o nosso coração manda. É claro que há um custo, um preço a pagar. No início será muito difícil, a primeira coisa que nós veremos serão obstáculos. E vamos nos perguntar por que erramos ao tomar esta decisão. Encontraremos um caminho cheio de tempestades e neve, mas é tudo parte de um teste, para vermos se realmente estamos dispostos a colocar a nossa vida nisso. Se eu resolver ir por este caminho, mesmo correndo o risco de morrer congelado, alguma coisa mágica irá acontecer. É como fala Paulo Coelho no "Alquimista". É importante saber que vamos morrer congelados, mas irmos mesmo assim. Estarei demonstrando minha verdade, meu amor, e aquilo se tornará uma bênção. Aí vem o próximo passo, cujo obstáculo pode ser fogo, mas nesse momento nós já teremos aprendido com a neve e não teremos mais tanto medo do fogo. Assim nos tornaremos imunes ao gelo, à prova de fogo e o aprendizado terá crescido dentro de nós até que chegaremos a um tipo de serenidade que nada poderá atingir. Quando uma pessoa sabe qual é a sua missão e diz que quer fazer isso, não há nada que poderá paralisá-la.
Você tem religião? Você acredita em Deus?
Bach - Religião para mim é um meio para achar o que é verdade. Por trás da religião pura está a verdade. Para as pessoas que amam a ciência, por trás da ciência há também a verdade. Cada um de nós tem uma intuição que nos conta o que é verdade. Meu jeito de encontrar a verdade é voando. Voar me fez transcender muitas ilusões de ótica. A partir deste tipo de perspectiva, literalmente falando, eu fui capaz de ultrapassar várias das minhas ilusões de quando eu era criança. Esta é minha religião: acreditar em um princípio que eu não posso ver, mas que está lá, guiando a mim e aos meus ideais. Uma das verdades que aprendi voando é de que não há desastre que não possa ser uma bênção e que não há benção que não possa vir a ser desastre também.
Como assim?
Bach - Eu passei por bênçãos e desastres quando Fernão Capelo Gaivota foi publicado. Parecia uma grande bênção, porque muitas pessoas adoraram o livro e eu ganhei uma enorme quantidade de dinheiro. Eu nunca tinha ganho muito dinheiro e, de repente, tinha um milhão de dólares. Era como se eu tivesse um novo anjo da guarda, querendo me dar dinheiro por que eu trabalhei muito duro para escrever o livro e realmente o amava. Mas, ao invés de me dar pouco dinheiro, ele deixou cair um milhão de dólares em dinheiro vivo, que pesa 300 quilos, na minha cabeça. Fui achatado e aquela bênção se tornou um desastre. Imediatamente comprei nove aviões e virei um serviçal deles. Estava me divertindo, mas tinha alguma coisa errada. Mais tarde, como eu não me importava com dinheiro, as pessoas que eu contratei para administrá-lo foram terríveis - assim como as minhas próprias decisões. Perdi tudo. Mas não há desastre que não possa se tornar uma bênção e o que eu aprendi disso é que você pode perder tudo, cada centavo que você tem, mas ninguém pode pegar as suas idéias e as idéias são a fonte dos centavos, dos dólares. Como eu tinha muitas coisas para dizer, muitas coisas para escrever, eu escrevi e os outros livros venderam também, e eu gradualmente me recuperei. Hoje tenho dois aviões e este é o meu limite.
Você começou a voar na Força Aérea Norte-Americana?
Bach - Não. Meu primeiro instrutor foi um colega de faculdade. Também foi uma coincidência impressionante porque ele tinha acabado de concluir um curso de instrutor de vôo e estava procurando alguém que pudesse instruir. Eu lavava e polia seu avião e ele me dava aulas. Gostava tanto daquilo que me alistei na Força Aérea. E tive sorte, porque não tive que matar ninguém. Entrei depois de meu país ter se envolvido na Guerra da Coréia e antes da Guerra do Vietnã. Se eu pudesse voltar agora para aquele jovem que ia se alistar na Força Aérea eu diria "não faça isso". Todas as Forças Aéreas de todos os países do mundo mostram aqueles aviões maravilhosos e dizem que se você se alistar, poderá voar nestes aviões. Mas não falam que você poderá ter que destruir um vilarejo. Até que alguns anos depois, eu estava sentado em um avião às 2 horas da manhã em alerta na França, esperando um ataque do bloco soviético aos países da Otan. Era 1962, foi na crise de Berlin. Eu estava na França, sentado naquele avião, carregado de bombas. E sabe o que eu ia destruir, incinerar? A cidade de Dresden.
O que você acredita que marcará o novo milênio?
Bach - No início do século, muitas pessoas lutaram defendendo ódios até então aceitáveis, vinculados ao um crescente nacionalismo. No final do século 20, o ódio não é mais tão aceitável assim. Ainda existe, mas não é mais socialmente aceitável. Agora é muito mais comum que a maioria de nós pare e pense um pouco antes de atacar e ferir os outros. Acredito que há cada vez mais compreensão e respeito sobre o que nós realmente somos, criaturas cujo objetivo supremo é expressar amor. Todos somos livres para fazermos o que quisermos fazer. Somos livres para odiar, para destruir, mas também livres para encontrar o que há de mais alto e sublime dentro de nós e expressar isso. É uma escolha individual. Todos sabemos que, se buscarmos dinheiro e nos esquecermos do que gostamos de fazer, vai surgir um grande vazio na nossa vida. Iremos aprender que apesar de nós termos todo o dinheiro do mundo, estaremos desesperadamente infelizes até o ponto em que nós iremos deixar ir embora todo o dinheiro. Cada vez mais nos damos conta do nosso poder individual e mais e mais pessoas estão escolhendo viver a vida que querem, dizendo não à vida que foram obrigadas a ter.