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Conheça a nova geração de autoras catarinenses e as pioneiras no mundo das letras.
Carol Macário,
Florianópolis. - 26/05/2013
Superadas as mágoas da memória patriarcal e a necessária queima de sutiãs em praça pública em que mulheres ergueram suas bandeiras de liberdade depois de séculos de submissão, finalmente é possível gozar de maior igualdade de gêneros, e em todos os sentidos. Especialmente nas letras (a literatura muito reflete a vida real) se observa que a delicadeza, sensibilidade ou percepção intuitiva do mundo não é exclusividade feminina, bem como racionalismo e objetividade (e às vezes, por que não?, grosseria) não é aptidão masculina. Não existe literatura feita por homens ou mulheres. Existe a boa ou a ruim.
Mas no século 21, passado um tempo relativamente curto do período em que mulher que publicava livro era considerada exibida, elas praticamente dominam o universo literário. Em Santa Catarina, cinco anos atrás, o escritor de Jaraguá do Sul, Carlos Henrique Schroeder, já anunciava que havia mais mulheres escrevendo do que homens. O fenômeno é desencadeado pela nova geração de autoras, jovens (muitas abaixo dos trinta anos) e bem mais desapegadas do que os homens.
"Eu aposto minhas fichas nas escritoras, elas estão mais descoladas, menos provincianas, experimentando mais, e são menos birrentas quando o assunto é escrita, na literatura os homens são mais invejosos e traiçoeiros", diz o autor.
Não só em Santa Catarina como em todo o Brasil, a literatura escrita por mulheres só aparece no começo do século 20. Ainda que produtivas, como lembra a pesquisadora Zahidé Muzart, 73, que em 1999 publicou o livro "Escritoras brasileiras do século 19", estudo pioneiro na área, elas foram excluídas dos catálogos literários, feitos quase que unicamente pela crítica e historiografia masculinas.
Passadas revoluções
culturais e sexuais, as mulheres de hoje do Estado estão desprendidas ao ponto
de extravasar suportes e levar a literatura para outros universos.
Literatura além do papel
Aos 27 anos, Ryana Gabech tem quatro obras publicadas, nem todas em livro. "Sempre achei que as coisas não eram separadas". Ela nasceu em Campinas, mas passou parte da infância em Itajaí e depois mudou-se para Florianópolis. Sua escrita beira a poesia, a música, a performance, as artes visuais. "Trabalho a poesia em diversas dimensões. Alguns poemas são feitos para o papel, outros não. E o redescubro também nas artes plásticas ou no som", diz ela.
Ryana integra uma geração que experimenta mais, transborda o papel e faz a literatura se libertar do tradicional. Assim como ela, outras autoras também atuam nas artes visuais, como Raquel Stolf e Sivana Leal, por exemplo. "Eu e vários poetas trabalhamos para que ele se alastre, o poema. A poesia quer ocupar outros espaços", diz. Dentre as suas obras, destaque para "A data invisível do poema" e "Trêmulo".
Bruna Konder, 27, apesar de ser uma romântica à moda antiga, mulher intensa, personagem de um romance parnasiano que inclusive adota um pseudônimo, é outra jovem que experimenta a literatura tanto por meio do tradicional livro, quanto com a escrita na internet e a transformação das histórias em filme.
Ela é estudante de
cinema e está produzindo uma videoarte sobre os diálogos entre ela e os
ex-namorado, escritos no seu blog, o Redoma de Cetim
(www.redomadecetim.blogspot.com.br) - quem assina é seu alterego, Carlota
Violeta. Neta de Márcia Konder, escritora e atriz, Bruna publicou o primeiro
livro no ano passado, "Luxuriosa Catarse" (Bernúncia Editora), em que
reuniu textos, a maioria poemas de seu diário pessoal. "Toda menina tem um
diário, eu tinha um e colocava detalhes da minha vida. Comecei a escrever aos 19,
terminei aos 23." Na obra, ela esmiúça com escrita refinada e leve ironia
(Ora o peso da vida, da arte, dos sensíveis lhe cai nas costas e na mão que
escreve) detalhes dolorosos de sua trajetória
amores e desamores, a doença não usual em jovens, descoberta há poucos
anos - (distonia pré-parkinson), ser jovem afinal.
Jovem maturidade
Apontada por Carlos Henrique Schroeder como “uma autora de pegada”, Patrícia Galelli, 24, vai publicar seu primeiro livro no dia 11 de julho, na Capital. “Carne Falsa” é um trabalho de sete anos, iniciado quando ela tinha 17 anos. “A literatura é um trabalho pesado”, diz, com maturidade. A obra não é autobiográfica, mas passa algumas impressões suas, revoltas, pensamentos sobre a morte, o amor, o sexo, “coisas que fazem parte da nossa construção enquanto ser humano”, explica. Tudo isso em 50 micronarrativas ou pequenos contos. “Sou escritora por um acidente cósmico”, afirma. Nascida em Concórdia, ela mora em Florianópolis há dois anos e é formada em comunicação social. “A literatura quer deformar a realidade. Ela tem com uma quebra de linguagem e faz com que as coisas habituais tornem-se percebidas.” A escrita, no caso dela, acontece mesmo como intuição. “Essa vontade vem de um encantamento pelo mundo, e ao mesmo tempo uma indignação.”
“Madame Bovary c’est moi”
Para a escritora de Florianópolis Edla Van Steen, 76, não existe literatura escrita por homem ou por mulher. Ela recorre a uma história conhecida para exemplificar, de quando perguntaram ao francês Gustave Flaubert (1821 – 1880) quem é Emma Bovary, protagonista do romance “Madame Bovary”, publicado em 1857. Ele respondeu: ces’t moi. Sou eu. “Para mim não importa o gênero”, concorda Patrícia Galelli.
“Tem muitos homens que escrevem com extrema sensibilidade. E tem mulheres que escrevem tamanhas grosserias”, observa a escritora Urda Alice Klueger, 61. Ela tem 21 livros publicados, entre romances históricos, crônicas e literatura infantil, além de participações em coletâneas.
A discussão sobre
gênero, hoje considerada ultrapassada, faz sentido quando se volta um pouco na
história e se descobre o quanto as mulheres demoraram a aparecer no universo
literário – muito mais por falta de espaço formal do que por falta de produção.
“As mulheres que escreviam poesia eram nobres e decentes. Romance não era para
uma senhora, então tinha que ser uma coisa mais velada”, afirma Zahidé Muzart.
As Pioneiras
“D. Narcisa de Villar” é considerado o primeiro romance escrito por mulher em Santa Catarina. Foi publicado em 1859 por Ana Luiza de Azevedo Castro (1823 – 1869), professora de São Francisco do Sul. “O pseudônimo era bastante usado”, diz Zahide Muzart. Ana Luiza, para defender-se da crítica, usou Indígena do Ipiranga para contar uma história de amor entre uma filha de fidalgos e um índio. “Em alguns romances notam-se também que os protagonistas tinham final trágico. A morte seria a saída em alguns casos, como um castigo”.
Eglê Malheiros também lembra que muitas mulheres escreviam poesia em meio aos cadernos de receita, como disfarce. Já outras tinham uma vida com doses de clausura ou loucura, como Júlia da Costa (1844 – 1911), de São Francisco do Sul. Tendo que casar ainda jovem com um homem mais velho e rico, como escreveu Celestino Sachet em “A literatura dos catarinenses”, ela teve o mérito de ser a “primeira mulher que se abriu para a vida valendo-se do poema, que lhe garantia canais de comunicação no jornal e no livro.”
Além de Ana Luiza e Júlia, outras pioneiras foram Delminda da Silveira (1854-1932), que escreveu 22 singelos contos em que exorciza fantasmas e cria metáforas para suas fantasias eróticas; Antonieta de Barros (1901 – 1952), que embora tenha sido professora e a primeira deputada do Estado, publicou no livro “Farrapos de Ideias” suas crônicas e idéias avançadas sobre o mundo; e muitas outras, como Lausimar Laus (1916 – 1979), Maria Carolina Corcoroca de Souza (1854 – 1910) e Gestrud Gross Hering (1979 – 1968).
“Santa Catarina não
era nada dois, três séculos atrás. E depois tinham as colônias de imigrantes, e
nesses lugares falava-se o idioma da terra natal. Portanto as pessoas escreviam
e muito, mas em suas línguas maternas. Por isso muitas autoras passaram
batido”, observa a escritora e historiadora Urda Alice Krueger.
Desbravadoras do século 20
Quando Edla Van Steen publicou seu primeiro livro em 1963, o caminho já havia sido aberto por outras autoras brasileiras – ela lembra Raquel de Queiroz (1910 – 2003) e as primeiras catarinenses. “Antigamente mulheres publicavam só poesia, e escritoras como a Raquel trouxeram qualidade de texto. Eu já cheguei com tudo aberto”, diz. Edla tem 29 obras publicadas, entre contos, romances, entrevistas, peças de teatro, biografias e livros de arte – quatro delas traduzidas para o inglês. “Quando penso que não tenho mais o que dizer, sento e digo muito.”
A escritora e tradutora Eglê Malheiros, 84, nascida em Tubarão, também encontrou caminho aberto nas letras quando nos anos 1950 e 1960, junto com os intelectuais do Grupo Sul, fez uma revolução artística e cultural em Florianópolis. “Quando comecei a escrever ainda era necessário às mulheres se afirmarem e reafirmarem a todo instante.” Ela tem uma produção pequena se comparada à de Edla – um livro de poemas “Manhã”, de 1952, e duas histórias infantis “Desça menino” (1985) e “Os meus fantasmas” (2002), além de contos e artigos publicados em coletâneas. Começou a publicar crônicas na revista “Sul”, periódico que circulou entre 1947 e 1957.
Ela e o companheiro inseparável Salim Miguel, 89, continuam em ampla atividade – Eglê tem tantos textos que dariam para publicar outros livros. “Ninguém escreve para não ser lido”, diz ela, sobre seu processo criativo. E conclui: “tenho que dedicar algum tempo para reunir tudo e publicar.”
Sobre as autoras do
século 20, o escritor Celestino Sachet lembra algumas escritoras que também
reverberaram no século passado, como Maura de Senna Pereira (1904 – 1991),
jornalista, professora e escritora que insurgiu contra a mesmice e conservadorismo
da Capital em meados do século passado.
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