Uma das boas interferências da pandemia na rotina está no aumento da procura por livros, em diferentes formatos, estimulando a produção de quem acredita que é possível e procura sobreviver da arte.
A pandemia de Covid-19 interferiu na rotina de todo mundo, mas há quem garanta que a leitura aumentou significativamente nesses dez meses de distanciamento social. Se livrarias fecharam as portas e editoras foram à falência, mais livros chegaram pelos Correios e foram buscados no formato e-book. Assim, é possível especular sobre a situação dos catarinenses que escrevem, como vêm sobrevivendo, editando e distribuindo sua produção.
Há gente que não se rendeu e continua criando, e também os que se recriaram como artistas e buscaram formas alternativas de chegar ao público. “Embora não pareça, a produção literária aqui é intensa, principalmente de jovens autores”, afirma Alcides Buss, poeta e sócio, com a mulher, Denise, da editora Caminho de Dentro, em Florianópolis.
Uma análise da literatura feita em Santa Catarina passa pelo que produzem os nomes da chamada velha geração, consagrados – e presos aos sistemas convencionais de publicação, que envolvem editoras comerciais, e os novíssimos talentos que estão emergindo.
O contista Flávio José Cardozo acabou de ver relançado o livro “Singradura” (EdUFSC), em edição comemorativa aos 50 anos da primeira impressão. O mesmo não se pode dizer de Silveira de Souza, Miro Morais, Rodrigo de Haro, Péricles Prade e Fábio Brüggemann, cujas obras estão na gaveta, esperando por novas oportunidades.
“Eles fazem muita falta, mas que eu saiba continuam produzindo, porque escritor de verdade não para de criar”, diz Alcides Buss. Entre as exceções estão Cristóvão Tezza e Carlos Henrique Schroeder, com caminhos já consolidados.
No outro extremo estão novatos – e aí a lista é diversificada, vasta e espalhada pelo Estado inteiro. Ela é feita de gente que mora na Capital, mas também em Joinville, Blumenau, Jaraguá do Sul, Chapecó, Curitibanos, Lages, Concórdia, Laguna, Garuva, Santa Cecília e Guabiruba, para citar algumas das cidades onde escritores da nova geração produzem e fazem chegar, cada um à sua maneira, romances, contos e poesias a leitores sempre dispostos a desfrutá-los.
E há bons autores de diferentes idades que produzem “em” Santa Catarina, como os forasteiros Josely Vianna Baptista, Rodrigo Garcia Lopes e Sérgio Medeiros. “A literatura feita em Santa Catarina é muito ampla e diversa e não está restrita à Capital”, reforça Marco Vasques, ele também poeta, editor e crítico de teatro.
Para a jornalista Néri Pedroso, a descentralização é uma boa notícia, porque confronta a “postura colonizadora” de Florianópolis em relação ao chamado mosaico cultural catarinense, que contém “injustas invisibilidades”.
Entre os mais novos, observa-se várias mulheres que “surpreendem pelo domínio de linguagem e pela ousadia criativa”, nas palavras de Alcides Buss. Há pouco, para coroar o fim de 2020, o escritor Oldemar Olsen, de vasta produção e morador de Rio Negrinho, venceu pela segunda vez o Concurso Literário Cidade de Manaus “Prêmio Péricles Moraes”, no gênero crônica.
Autor respeitado e observador atento do cenário artístico catarinense, o blumenauense Dennis Radünz destaca nomes cujas premiações conferem ressonância a trabalhos de qualidade, seja de veteranos, seja de novatos. “A literatura em Santa Catarina teve na última década uma renovação intensa na prosa, de Carlos Henrique Schroeder e seu livro de contos ‘As certezas e as palavras’ (Editora da Casa), prêmio da Biblioteca Nacional em 2010, até Marcelo Labes e o romance ‘Paraízo-Paraguay’ (editora Caiaponte), Prêmio São Paulo de Literatura, em 2020, na categoria autor estreante”, informa. “Esta foi a década da prosa, inclusive com o extinto Festival Nacional do Conto sendo realizado em Florianópolis”, completa.
“Há uma literatura que se situa no embate, na resistência, em ressignificações históricas, no embaralho de temporalidades, na fluidez entre ficção e realidade.”
Néri Pedroso, jornalista e crítica de arte
Para onde quer que se olhe, existem autores produzindo. Néri, profissional de exitosa carreira no jornalismo cultural e crítica de arte, também cita o romance “Paraízo-Paraguay”, de Marcelo Labes, e ressalta que a moderna literatura catarinense se debate com questões de gênero e de justiça social, porque o Estado pede reflexões sobre o patriarcado, o machismo, a feminilidade e a própria inclusão do público LGBTQ+ na cena literária.
No campo institucional, a Academia Catarinense de Letras, já centenária, edita uma revista periódica e premia anualmente os melhores livros de contos, crônicas, poesias, romance e ensaio, incentivando autores de diferentes faixas etárias a escrever e publicar suas obras.
A vez das editoras caseiras e livros digitais
Se as editoras se fecham para novos autores, cabe a cada um descobrir e adotar estratégias para chegar ao leitor. “Surgem revistas e editoras on-line quase todos os dias”, constata o escritor Marco Vasques. A internet é um desaguadouro importante, mas carece do filtro regulador que prime pela qualidade.
Para Vasques, a educação é o caminho para apresentar aos jovens não só a literatura, mas o teatro e a dança, tornando-os, mais adiante, adultos preparados para conviver com a arte. Num país onde falta o básico para milhões de pessoas, tirar da arte e da cultura a condição de luxo, de supérfluo, é um desafio permanente.
A falta de políticas públicas para a área da cultura fecha um quadro de desconsideração que, hoje, chega a olhar com desconfiança quem escreve, atua, dança, pinta, canta ou toca um instrumento.
Neste cenário, o livro digital veio para ficar. “No futuro, talvez só ele sobreviva”, conforma-se o poeta Alcides Buss. Ele cita o escritor Milton Maciel, da Academia Joinvilense de Letras, que edita a revista “Escrever”, dedicada à formação de novos autores, e que é um entusiasta dessa opção de disseminação da leitura. Orgulhoso da iniciativa, Maciel destaque que ela é a primeira e única iniciativa do gênero no Brasil, a circular nas versões impressa e digital.
Diz Buss: “Eu próprio me beneficiei dela. Meus dois últimos livros de poesia, ‘Janela para o mar’ e ‘Viver não é tudo’, tiveram novas edições em formato e-book. Posso dizer que ganharam vida nova. Quando bem feitas, as edições permitem uma leitura fluente e agradável, até mesmo no smartphone, de menor custo para o editor e mais acessíveis para o leitor”.
Menos otimista que os colegas, o escritor e editor Fábio Brüggemann vê o fechamento de livrarias e editoras como um reflexo que vai além da pandemia.
A falta de políticas públicas para a área da cultura fecha um quadro de desconsideração que, hoje, chega a olhar com desconfiança quem escreve, atua, dança, pinta, canta ou toca um instrumento.
Neste cenário, o livro digital veio para ficar. “No futuro, talvez só ele sobreviva”, conforma-se o poeta Alcides Buss. Ele cita o escritor Milton Maciel, da Academia Joinvilense de Letras, que edita a revista “Escrever”, dedicada à formação de novos autores, e que é um entusiasta dessa opção de disseminação da leitura. Orgulhoso da iniciativa, Maciel destaque que ela é a primeira e única iniciativa do gênero no Brasil, a circular nas versões impressa e digital.
Diz Buss: “Eu próprio me beneficiei dela. Meus dois últimos livros de poesia, ‘Janela para o mar’ e ‘Viver não é tudo’, tiveram novas edições em formato e-book. Posso dizer que ganharam vida nova. Quando bem feitas, as edições permitem uma leitura fluente e agradável, até mesmo no smartphone, de menor custo para o editor e mais acessíveis para o leitor”.
Menos otimista que os colegas, o escritor e editor Fábio Brüggemann vê o fechamento de livrarias e editoras como um reflexo que vai além da pandemia.
“É o desprezo que as novas gerações têm pelo livro, apesar de que leem o tempo todo nas redes sociais, uma leitura tola, na maior parte.”
Fábio Brüggemann, escritor e editor
Ele desafia dizendo que gostaria de saber “quem encararia um novo Proust hoje em dia, dessa galera do Instagram ou do Facebook”. Para muitos jovens, ficar “parado” lendo um livro é perda de tempo, porque vai muito além dos 140 caracteres das mensagens do Twitter. “Eu mesmo lia muito mais livros há 15 anos, e sinto que perco um tempo enorme lendo m… nessas redes”, constata.
Nomes que romperam fronteiras
“Prosadores e poetas catarinenses jovens começaram a circular nacionalmente com mais frequência, o que antes estava reservado a nomes como Salim Miguel”, diz Dennis Radünz, citando nomes como Carlos Henrique Schroeder, Marcelo Labes e Cristiano Moreira. No ambiente doméstico, se perdeu o belo projeto de biblioteca comunitária Barca dos Livros, mas Florianópolis ganhou com as revistas (impressas ou eletrônicas) Gulliver e Texturas, entre outras.
“A ousadia e a qualidade estão nessas iniciativas de renovação e é fato que a área de literatura da Universidade Federal de Santa Catarina, a partir do PET Letras ou de professoras como Eleonora Frenkel e Telma Scherer, tem acolhido experimentos literários e trabalhos de graduação em escrita Ccriativa”, afirma Radünz.
Durante a pandemia, o fim dos eventos de literatura e a queda brusca de vendas nas livrarias locais foram os impactos mais sentidos. Em contrapartida, destaca Radünz, “a oferta de cursos literários breves em meio digital parece ter se firmado no imaginário, porque pessoas de todas as regiões e de outros países compartilham a mesma sala virtual com uma escritora ou escritor notório e antes inacessível”.
“A pandemia talvez tenha nos feito reencontrar o tempo interior, o tempo de ler textos densos, como um ‘Torto arado’, romance de Itamar Vieira Júnior que retrata o multiverso que é o Brasil.”
Dennis Radünz, escritor
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