segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

OUTRA MATÉRIA DE RELEVANTE INTERESSE


Livros autorais: autopublicação e editoras de pequeno geram oportunidade para novos autores.

Normalmente no Dia Nacional do Escritor (25 de julho) lembramos logo dos autores reconhecidos dentro e fora do Brasil, como Jorge Amado, Érico Veríssimo, Rachel de Queiroz, entre outros. Mas, isso vem mudando. Além dos renomados escritores, diversos autores iniciantes vem ganhando a admiração do público leitor.

O fotógrafo e artista audiovisual baiano Gilucci Augusto faz parte dessa “nova geração” e está estreando na cena literária com o livro intitulado “Nuances – Entre Luzes e Sombras”. Tendo Fernando Pessoa como sua maior inspiração, Gilucci não sabe ao certo como embarcou nesse universo, a sua única certeza é que nunca atuaria em apenas uma área. “Eu nasci e fui criado em Santo Antônio de Jesus, recôncavo baiano. Mas em paralelo a isso, frequentava muito Salvador. Então, eu transitava por vários contextos socioculturais e políticos. E do mesmo modo que a minha vida foi bem diferente em vários aspectos, minha cabeça também passou a funcionar assim. Ter várias ocupações para mim é natural. Uma coisa alimenta a outra, não existe uma hierarquia”, assegura.

Acostumado a ser visto como um artista das imagens, Gilucci ainda está se adaptando com a nova condição ao adentrar na cena literária sem perder a imagem simbólica que dá sentido a todos os seus trabalhos: o devaneio. “No sentido atribuído pelo autor Gaston Bachelard, o devaneio é algo que me interessa muito na tentativa de me confundir e confundir os outros, misturando ficções e realidades de modo a perder-me nesse fluxo e não mais saber o que é o quê.

Rita Queiroz escritora, optou também por editoras de pequeno porte para apresentar seus textos ao mercado. “São editoras que incentivam muito o escritor desconhecido do grande público, principalmente aqueles que estão lançando o seu primeiro livro”, ressalta a autora que acaba de lançar sua obra de estreia voltada para o público infanto-juvenil, Ciranda, Cirandinha: vamos brincar com Poesia?. Doutora em Letras e professora da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Rita tem outros três livros voltados para adultos já publicados. Desde 2015, quando criou a Confraria Poética Feminina, vem trabalhando para intensificar sua produção literária. “O espaço da mulher na literatura ainda é menor do que o dos homens. Por isso, buscamos atuar em conjunto para discutir sobre autoria feminina”.

Quem está satisfeita com a alternativa de autopublicação é a escritora Silvia Noronha. Ela Quem está satisfeita com a alternativa de autopublicação é a escritora Silvia Noronha. Ela autopublicou o seu primeiro livro de contos sobre o cotidiano A obesidade dos cães e outros contos na plataforma digital Amazon. “Para mim foi uma maneira de começar. Eu não queria perder tempo e achei que a autopublicação era a forma mais rápida para ir experimentando, pois tinha vontade de publicar, mas não lançava. Além disso, encontrar uma editora que apostasse em uma pessoa completamente desconhecida ia levar tempo”, explica Noronha, que também é jornalista e está satisfeita com o resultado.

Agência Educa Mais Brasil

domingo, 3 de janeiro de 2021

AS MULHERES NA LITERATURA DE SANTA CATARINA

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Conheça a nova geração de autoras catarinenses e as pioneiras no mundo das letras.

Carol Macário, Florianópolis. - 26/05/2013

 

Superadas as mágoas da memória patriarcal e a necessária queima de sutiãs em praça pública em que mulheres ergueram suas bandeiras de liberdade depois de séculos de submissão, finalmente é possível gozar de maior igualdade de gêneros, e em todos os sentidos. Especialmente nas letras (a literatura muito reflete a vida real) se observa que a delicadeza, sensibilidade ou percepção intuitiva do mundo não é exclusividade feminina, bem como racionalismo e objetividade (e às vezes, por que não?, grosseria) não é aptidão masculina. Não existe literatura feita por homens ou mulheres. Existe a boa ou a ruim.

Mas no século 21, passado um tempo relativamente curto do período em que mulher que publicava livro era considerada exibida, elas praticamente dominam o universo literário. Em Santa Catarina, cinco anos atrás, o escritor de Jaraguá do Sul, Carlos Henrique Schroeder, já anunciava que havia mais mulheres escrevendo do que homens. O fenômeno é desencadeado pela nova geração de autoras, jovens (muitas abaixo dos trinta anos) e bem mais desapegadas do que os homens.

"Eu aposto minhas fichas nas escritoras, elas estão mais descoladas, menos provincianas, experimentando mais, e são menos birrentas quando o assunto é escrita, na literatura os homens são mais invejosos e traiçoeiros", diz o autor.

Não só em Santa Catarina como em todo o Brasil, a literatura escrita por mulheres só aparece no começo do século 20. Ainda que produtivas, como lembra a pesquisadora Zahidé Muzart, 73, que em 1999 publicou o livro "Escritoras brasileiras do século 19", estudo pioneiro na área, elas foram excluídas dos catálogos literários, feitos quase que unicamente pela crítica e historiografia masculinas.

Passadas revoluções culturais e sexuais, as mulheres de hoje do Estado estão desprendidas ao ponto de extravasar suportes e levar a literatura para outros universos.


Literatura além do papel

Aos 27 anos, Ryana Gabech tem quatro obras publicadas, nem todas em livro. "Sempre achei que as coisas não eram separadas". Ela nasceu em Campinas, mas passou parte da infância em Itajaí e depois mudou-se para Florianópolis. Sua escrita beira a poesia, a música, a performance, as artes visuais. "Trabalho a poesia em diversas dimensões. Alguns poemas são feitos para o papel, outros não. E o redescubro também nas artes plásticas ou no som", diz ela.

Ryana integra uma geração que experimenta mais, transborda o papel e faz a literatura se libertar do tradicional. Assim como ela, outras autoras também atuam nas artes visuais, como Raquel Stolf e Sivana Leal, por exemplo. "Eu e vários poetas trabalhamos para que ele se alastre, o poema. A poesia quer ocupar outros espaços", diz. Dentre as suas obras, destaque para "A data invisível do poema" e "Trêmulo".

Bruna Konder, 27, apesar de ser uma romântica à moda antiga, mulher intensa, personagem de um romance parnasiano que inclusive adota um pseudônimo, é outra jovem que experimenta a literatura tanto por meio do tradicional livro, quanto com a escrita na internet e a transformação das histórias em filme.

Ela é estudante de cinema e está produzindo uma videoarte sobre os diálogos entre ela e os ex-namorado, escritos no seu blog, o Redoma de Cetim (www.redomadecetim.blogspot.com.br) - quem assina é seu alterego, Carlota Violeta. Neta de Márcia Konder, escritora e atriz, Bruna publicou o primeiro livro no ano passado, "Luxuriosa Catarse" (Bernúncia Editora), em que reuniu textos, a maioria poemas de seu diário pessoal. "Toda menina tem um diário, eu tinha um e colocava detalhes da minha vida. Comecei a escrever aos 19, terminei aos 23." Na obra, ela esmiúça com escrita refinada e leve ironia (Ora o peso da vida, da arte, dos sensíveis lhe cai nas costas e na mão que escreve) detalhes dolorosos de sua trajetória  amores e desamores, a doença não usual em jovens, descoberta há poucos anos - (distonia pré-parkinson), ser jovem afinal.    

 

Jovem maturidade

Apontada por Carlos Henrique Schroeder como “uma autora de pegada”, Patrícia Galelli, 24, vai publicar seu primeiro livro no dia 11 de julho, na Capital. “Carne Falsa” é um trabalho de sete anos, iniciado quando ela tinha 17 anos. “A literatura é um trabalho pesado”, diz, com maturidade. A obra não é autobiográfica, mas passa algumas impressões suas, revoltas, pensamentos sobre a morte, o amor, o sexo, “coisas que fazem parte da nossa construção enquanto ser humano”, explica.  Tudo isso em 50 micronarrativas ou pequenos contos. “Sou escritora por um acidente cósmico”, afirma. Nascida em Concórdia, ela mora em Florianópolis há dois anos e é formada em comunicação social. “A literatura quer deformar a realidade. Ela tem com uma quebra de linguagem e faz com que as coisas habituais tornem-se percebidas.” A escrita, no caso dela, acontece mesmo como intuição. “Essa vontade vem de um encantamento pelo mundo, e ao mesmo tempo uma indignação.”


“Madame Bovary c’est moi”

Para a escritora de Florianópolis Edla Van Steen, 76, não existe literatura escrita por homem ou por mulher. Ela recorre a uma história conhecida para exemplificar, de quando perguntaram ao francês Gustave Flaubert (1821 – 1880) quem é Emma Bovary, protagonista do romance “Madame Bovary”, publicado em 1857. Ele respondeu: ces’t moi. Sou eu.  “Para mim não importa o gênero”, concorda Patrícia Galelli.

“Tem muitos homens que escrevem com extrema sensibilidade. E tem mulheres que escrevem tamanhas grosserias”, observa a escritora Urda Alice Klueger, 61. Ela tem 21 livros publicados, entre romances históricos, crônicas e literatura infantil, além de participações em coletâneas.

A discussão sobre gênero, hoje considerada ultrapassada, faz sentido quando se volta um pouco na história e se descobre o quanto as mulheres demoraram a aparecer no universo literário – muito mais por falta de espaço formal do que por falta de produção. “As mulheres que escreviam poesia eram nobres e decentes. Romance não era para uma senhora, então tinha que ser uma coisa mais velada”, afirma Zahidé Muzart.

 

As Pioneiras

“D. Narcisa de Villar” é considerado o primeiro romance escrito por mulher em Santa Catarina. Foi publicado em 1859 por Ana Luiza de Azevedo Castro (1823 – 1869), professora de São Francisco do Sul. “O pseudônimo era bastante usado”, diz Zahide Muzart. Ana Luiza, para defender-se da crítica, usou Indígena do Ipiranga para contar uma história de amor entre uma filha de fidalgos e um índio. “Em alguns romances notam-se também que os protagonistas tinham final trágico. A morte seria a saída em alguns casos, como um castigo”.

Eglê Malheiros também lembra que muitas mulheres escreviam poesia em meio aos cadernos de receita, como disfarce. Já outras tinham uma vida com doses de clausura ou loucura, como Júlia da Costa (1844 – 1911), de São Francisco do Sul. Tendo que casar ainda jovem com um homem mais velho e rico, como escreveu Celestino Sachet em “A literatura dos catarinenses”, ela teve o mérito de ser a “primeira mulher que se abriu para a vida valendo-se do poema, que lhe garantia canais de comunicação no jornal e no livro.”

Além de Ana Luiza e Júlia, outras pioneiras foram Delminda da Silveira (1854-1932), que escreveu 22 singelos contos em que exorciza fantasmas e cria metáforas para suas fantasias eróticas; Antonieta de Barros (1901 – 1952), que embora tenha sido professora e a primeira deputada do Estado, publicou no livro “Farrapos de Ideias” suas crônicas e idéias avançadas sobre o mundo; e muitas outras, como Lausimar Laus (1916 – 1979), Maria Carolina Corcoroca de Souza (1854 – 1910) e Gestrud Gross Hering (1979 – 1968).

“Santa Catarina não era nada dois, três séculos atrás. E depois tinham as colônias de imigrantes, e nesses lugares falava-se o idioma da terra natal. Portanto as pessoas escreviam e muito, mas em suas línguas maternas. Por isso muitas autoras passaram batido”, observa a escritora e historiadora Urda Alice Krueger.

 

Desbravadoras do século 20

Quando Edla Van Steen publicou seu primeiro livro em 1963, o caminho já havia sido aberto por outras autoras brasileiras – ela lembra Raquel de Queiroz (1910 – 2003) e as primeiras catarinenses. “Antigamente mulheres publicavam só poesia, e escritoras como a Raquel trouxeram qualidade de texto. Eu já cheguei com tudo aberto”, diz. Edla tem 29 obras publicadas, entre contos, romances, entrevistas, peças de teatro, biografias e livros de arte – quatro delas traduzidas para o inglês. “Quando penso que não tenho mais o que dizer, sento e digo muito.”

A escritora e tradutora Eglê Malheiros, 84, nascida em Tubarão, também encontrou caminho aberto nas letras quando nos anos 1950 e 1960, junto com os intelectuais do Grupo Sul, fez uma revolução artística e cultural em Florianópolis. “Quando comecei a escrever ainda era necessário às mulheres se afirmarem e reafirmarem a todo instante.” Ela tem uma produção pequena se comparada à de Edla – um livro de poemas “Manhã”, de 1952, e duas histórias infantis “Desça menino” (1985) e “Os meus fantasmas” (2002), além de contos e artigos publicados em coletâneas. Começou a publicar crônicas na revista “Sul”, periódico que circulou entre 1947 e 1957.

Ela e o companheiro inseparável Salim Miguel, 89, continuam em ampla atividade – Eglê tem tantos textos que dariam para publicar outros livros. “Ninguém escreve para não ser lido”, diz ela, sobre seu processo criativo. E conclui: “tenho que dedicar algum tempo para reunir tudo e publicar.”

Sobre as autoras do século 20, o escritor Celestino Sachet lembra algumas escritoras que também reverberaram no século passado, como Maura de Senna Pereira (1904 – 1991), jornalista, professora e escritora que insurgiu contra a mesmice e conservadorismo da Capital em meados do século passado.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

ENTREVISTA COM PAULO FLORES

 PAULO FLORES

 

1) Na apresentação do seu blog, assim está escrito: “Flerta com as letras, brinca com as palavras e nas entrelinhas vai deixando sua marca”. O que ou qual o traço mais marcante que você deixa nas entrelinhas dos seus textos?

Paulo: Eu acho que um traço ou característica mais marcante é um pouco de rebeldia naquilo que eu escrevo, seja em um texto que fale de amor, comportamento, seja em um texto que fale sobre questões indígenas, racismos, questões sociais. Na maioria dos meus textos tem um pouco de rebeldia ali. Tem coisas que eu penso de fato e não são simplesmente retratos de uma personagem, retratos de uma situação que eu vi. Boa parte dos textos tem uma opinião minha e que e aproveito para extravasar. Então, o traço mais marcante é a rebeldia.

 

2) “Ao final de tudo meu legado terá sido poesia”. Você é o autor desta frase poética, mas será que a poesia é suficientemente forte e importante para ter valor como algo a se deixar como legado? A poesia não precisa de complementos?

Paulo: Boa pergunta... Ali eu estou falando sobre um desejo meu. Apesar da frase ser afirmativa – que meu legado terá sido poesia -, ali eu acho que é mais um desejo meu. Quando eu não estiver mais por aqui, que as pessoas continuem lendo aquilo que eu deixei, os textos que eu deixei. Os poemas que eu escrevi, os textos que eu escrevi sejam publicados, sejam reverberados, retransmitidos e que passem por gerações, fazendo sentido para as pessoas. Hoje eu me deparo com algumas publicações minhas, que pessoas que eu nem conheço estão replicando por aí. Eu não lancei um livro ainda, mas eu tenho poemas premiados e que foram publicados e que estão por aí, em alguns livros espalhados. Creio que em algum momento, algumas pessoas vão se deparar com coisas que eu escrevi e se isso fizer sentido para elas, já vai ter sido bacana. |E acho que a poesia, o poema pode ser suficientemente sim, não necessariamente teria que ter complemento. Eu vejo Paulo Leminsky, Mario Quintana, Mario Prata, entre outros. Leminsky, por exemplo, não está mais entre nós e a obra dele e as coisas que ele escreveu estão aí, replicadas, reverberando, fazendo sentido para muita gente, fazendo refletir e não tem complemento. É o poema, é a letra, pura e simples, cheia de ideia.

 

3) Você jogou futebol de salão, inclusive era um goleiro com muitas qualidades: arrojado, excelente reflexo, seguro, ágil... Quais destas qualidades de atleta, daquela época em que jogavas futebol de salão, que você tem como escritor e poeta?

Paulo: O futsal, o futebol de salão surgiu para mim, para atuar como goleiro, meio que de paraquedas, meio sem querer. Foi a convite de um amigo, para suprir uma carência, uma falta que o time tinha e eu fui para uma situação, meio que de emergência (RISOS), sem ter planejado e acabou acontecendo. Isso se assemelha com o que eu vivi na escrita. Eu escrevi um poema falando de adoção, que é um tema que eu sempre atuei, como causa, por ser filho por adoção. E em um momento eu quis homenagear meus pais e falar de adoção. E não sei porque eu encaminhei esse poema para um concurso de poesias e esse poema acabou premiado. Foi o primeiro que escrevi e teve um resultado muito legal e é um poema que quando eu publico ele, as pessoas gostam muito e dão um feedback muito positivo a respeito dele. E a partir dali eu tomei coragem para começar a publicar as coisas que eu ia escrevendo e fui experenciando isso, vivendo isso, vivendo um mundo novo. Fazendo um paralelo com o futebol de salão foi mais ou menos a mesma coisa, eu não estava preparado para aquilo, eu fui conhecendo, explorando, vivenciando e gostando. Isso foi na minha adolescência, essa experiência com o futebol de salão e trago até hoje grandes lembranças, fiz grandes amigos naquela época que são amigos até hoje. A poesia, o poema, a escrita me trouxeram novos amigos de um mundo totalmente diferente, em um mundo que era totalmente desconhecido para mim e que eu estou adorando viver. Estou curtindo bastante fazer parte.

 

4) O que é mais difícil, treinar futsal e encarar os adversários ou encontrar inspiração e tempo para escrever? Justifique.

Paulo: O futsal é mais difícil, porque é um esporte coletivo e ali eu era goleiro. Quem estava na quadra ali comigo, quem estava no banco de reserva, quem estava envolvido comigo dependia da minha atuação para ter êxito. Éramos uma equipe. No poema é mais tranquilo. Eu escrevo quando eu quero, eu escrevo quando aparece inspiração, eu não sou pressionado a me inspirar, não tenho prazo para entregar nada, não tenho compromisso com o resultado. Porque eu escrevo o que eu quero, sobre o que eu quero e na hora que que vem a inspiração. E no futsal não; a data do jogo está marcada e ninguém vai querer saber se você está inspirado ou não para jogar. Você vai ter que jogar naquele horário pré-determinado, vai ter que fazer uma boa atuação e se não fizer, você vai ser cobrado por isso.

 

5) Há uma frase que diz: “Avó cria memórias que o coração guarda para sempre”. Que memórias marcantes os seus avós criaram contigo ou para ti, que o teu coração guarda?

Paulo: Sobre os meus avós eu tenho muito gosto de falar, porque foram muitas as memórias. Eu tive a sorte de, durante muito tempo, poder conviver, até com a minha bisavó. Meu avô paterno faleceu muito cedo infelizmente, eu não o curti. Eu adoraria curtir, grande flamenguista, meu avô Paulo. Mas a avó Penha, lá do Rio, a memória que eu tenho dela são as nossas conversas sobre espiritualidade. Eu era criança na época e ela com muita habilidade me esclarecia, tirava minhas dúvidas com muita paciência, com muita amorosidade. Minha avó materna, minha avó Valda faleceu faz pouco tempo, mas foi uma segunda mãe para mim. A casa dela aqui em Floripa foi o meu segundo lar. Eu passei muitas férias ali na casa dela brincando, os vizinhos até hoje me conhecem, me chamam por Paulinho, meu apelido na vizinhança. A comida da minha avó, as comidas dela, as brincadeiras dela, tudo isso são memórias muito vivas. E o meu avô, que era um “vozão”, aquele cara que você falava que estava com desejo de comer uma rosca de polvilho, podia ter certeza que em um ou dois dias ia aparecer uma rosca de polvilho, porque ele não sabia o que fazer para agradar. Meu avô me levava no desfile de sete de setembro, a gente saía para passear no centro, comprar tainha no mercado, comprar churros... Ele sabia as coisas que a gente gostava e trazia... As tardes na casa da minha avó, com o meu avô assistindo futebol, a gente debatendo futebol, falando sobre o Flamengo; ele cuidando dos passarinhos dele, ele fazendo caixa de madeira com divisória para eu guardar meus jogadores de futebol de botão. Nossa! Inúmeras memórias. Meus avós foram sensacionais para mim. Graças a Deus eu tive a permissão e a alegria de poder conviver e compartilhar de muitas coisas boas.

 

6) Qual é o seu poema mais antigo, que você escreveu e que guardou até os dias de hoje? Pode nos repassar?

Paulo: Meu primeiro poema, o mais remoto é O Caminho das Flores, de fato o primeiro poema, que foi uma homenagem que eu prestei aos meus pais adotivos e que eu acabei encaminhando ele para o concurso nacional dos novos poetas e ele foi premiado e publicado. É um poema que eu guardo com muito carinho. E a partir daí que as coisas começaram a acontecer

 

7) “Das gavetas da vida, algumas não abro mais, outras até remexo, há as que esqueço”... esse é um trecho de um poema seu. Quais as gavetas que você faz questão de esquecer, de não abrir mais e porquê?

Paulo: Pode parecer estranho, mas tem coisas que eu gostaria de não reviver, mas esquecer eu não consigo. E lembrar dessas coisas nos dá o norte para não repeti-las e não aceitar que elas aconteçam novamente. Não dá para esquecer, mas dá para não repetir ou não permitir que elas aconteçam. Só o fato da gente pensar nisso nos faz lembrar, então não tem como esquecer. Mas eu posso citar as situações de racismo que eu passei na minha infância, preconceito. São coisas que eu gostaria de não reviver, mas não tem como esquecer. E são coisas atuais, que a gente carrega ao longo dos anos e são fatos tristes. Esquecer não dá, pelo contrário, a gente acaba lembrando e lutando contra e fazendo um movimento diferente, não aceitando mais coisas que a gente aceitava.

 

8) Você é pai de um garoto, de nome Artur. Você escreveu o poema O Grande Encontro – o relato feliz sobre meu filho, descrevendo um pouco da relação dele com a leitura. Você o estimula a ler de que forma?

Paulo: Meu filho... eu estimulo muito ele com a leitura. Ele tem oito anos agora, ele lê, ele lê muito bem. Lê gibi, lê história, lê livros sobre tubarões, sobre bichos – ele adora. Antes de acontecer a pandemia a gente frequentava muito os sebos que tem ali na região do centro antigo de Floripa, Fernando Machado, João Pinto. Ali tem muitos sebos, tinham, eu soube que alguns fecharam. A gente se divertia. Eu ia para um lado, ele ia para outro. A gente tinha um acordo de, a cada ida lá, trazer revistinhas, gibis que ele adora, mas em contra partida, trazer um livro também. E assim a gente vai lendo, contando as histórias para ele, fazendo a imaginação dele viajar e cultivando o hábito da leitura.

 

9) O seu filho além de te inspirar, te dá opiniões sobre seus textos, ou ele desconhece ou não compreende aquilo que você escreve?

Paulo: O Artur sabe que eu escrevo mas ele ainda não tem entendimento sobre o que eu escrevo; mas ele sabe. Tanto que, no dia dos pais ele me deu dois presentes, mas o que eu mais gostei foi um poema. Ele escreveu um poema para mim (RISOS). Eu fiquei feliz da vida, um poema com um desenho que eu guardo e em breve vai virar um quadro.

 

10) Millôr Fernandes disse: “Criança é esse ser infeliz que os pais põem para dormir quando ainda está cheio de animação e arrancam da cama quando ainda está estremunhado de sono”. Você age assim também com o seu filho ou você é um pai mais flexível?

Paulo: O Artur foi condicionado desde cedo, a dormir cedo, Geralmente oito horas, oito e meia ele já está dormindo. Eu e a mãe dele julgamos que isso seria bom e acostumamos assim. Ele tem, geralmente, onze, doze horas de sono, pelo menos dez horas de sono; ele dorme muito bem. Ele não troca o dia pela noite, o sono dele é no horário noturno, de fato. Ele acorda cedo, faz a refeição cedo, É uma criança saudável, é uma criança que se alimenta muito bem e está sendo legal, foi uma boa escolha. Depois a gente sabe que não vai ter muita ingerência sobre isso, mas enquanto a gente puder doutrinando ele desta maneira, a gente vai continuar. Ele já está com oito anos nessa rotina de dormir bem.

 

11) A sua escrita é de fácil compreensão ou você gosta de usar metáforas, duplo sentido, “pegadinhas”?

Paulo: A minha escrita é de fácil compreensão, sim; na maioria das vezes, na grande maioria das vezes. Ela tem uma linguagem direta, creio que ela é de fácil entendimento, a ponto de numa academia (literária) que eu fazia parte, ela era chamada de vira lata. Por não ter aquele linguajar antigo, rebuscado, que alguns dos escritores se utilizam. A minha é mais direta e ela foi chamada de vira lata lá. Mas a devolutiva que eu tenho das pessoas que leem os textos são muito boas, elas compreendem. Metáforas, às vezes eu utilizo sim, as pegadinhas... Eu costumo dizer que o barato do escritor é a inquietude do leitor. Do mesmo texto escritor podem interpretar de diversas formas, de acordo com o que ele está sentindo ou vivendo. Isso é um barato, isso é bacana!

 

12) Francis Bacon afirmou: “A leitura traz ao homem plenitude; o discurso, segurança; e a escrita, precisão”. Comente esta afirmação...

Paulo: Para mim essa afirmação faz todo sentido. Eu sempre li muito, eu sempre gostei muito de ler. A faculdade na qual eu me formei foi direito, então, é uma academia que você tem que ler muito e isso se refletia na minha retórica, no meu discurso, na minha forma de me portar e conversar com as pessoas, na busca por um vocabulário e uma boa escrita. Então para mim, faz muito sentido esta afirmação.  Tanto faz sentido que neste viés, eu educo o Artur dessa maneira com muita leitura.

 

13) Eis um trecho do seu poema Preto no Branco: “Beijo quente e amasso / Movimento e compasso / Equilíbrio suave / Entre o carinho e o devasso”. Você pode detalhar ou aprofundar um pouco, estes versos? Por exemplo, como pode haver um equilíbrio entre o carinho e o devasso?

Paulo: Preto no Branco é um poema interessante, legal que você tenha “puxado” ele e feito esta pergunta. Quando eu escrevi ele, eu imaginei a situação de dois amantes, numa situação de entrega, onde você tem um amor, nessa entrega, nessa troca, e tem a coisa devassa da sacanagem ali na hora do sexo, alternando momentos de carinho e leveza com momentos tórridos, quentes, de uma pegada mais firme, de uma palavra mais ousada. Aquela coisa de dar o tesão na hora e depois do gozo da catarse, se abraçarem, trocarem carinho, depois de ter vividos, instantes atrás, essa devassidão, esse suor pelo corpo.

 

14) Você costuma ler? Que tipo de leitura ou qual autor ou autora que te agrada?

Paulo: Eu leio bastante, eu tenho sempre um livro a mão. Ultimamente eu tenho gostado de ler biografias e autobiografias, principalmente a de astros do rock. Estou terminando de ler a do Marky Ramone, que conta a história dos Ramones. Tem um livro na fila, para começar a ler, do David Grohl, do Foo Fighters. Eu li a do Keith Richards, dos Rolling Stones – é uma autobiografia. Eu li a do Bruce Springteen, é sensacional. E são livros que tomam tempo, porque são livros grossos que contam em detalhes a vida desses caras, a história deles no rock, com as bandas e isso me fascina. Mas eu gosto também do Billy Reyes, que escreveu O Expresso da Meia Noite. Gosto muito dos livros baseados em fatos reais. De autores nacionais eu gosto do Mário Quintana – bastante; do Paulo Leminski – curitibano Paulo Leminski, do Mário Prata, Ariano Suassuna. Tem uma turma muito boa escrevendo. Eu estou fascinado. Se eu pudesse ganhar a vida lendo livro seria sensacional, mas não dá. Mas (ler) é bom demais. É um vício que eu peguei.

 

15) Você carioca e mora há anos em Florianópolis. Estas duas cidades possuem belezas naturais que inspiram músicos, compositores escritores, poetas, enfim, artistas de diversos segmentos. É daí que vêm a sua inspiração ou é somente uma coincidência?

Paulo: Rio de Janeiro e Florianópolis são duas cidades sensacionais. Floripa é quase que uma mini Rio de Janeiro. São duas cidades que eu amo, não gosto que falem mal de nenhuma das duas. Com cenários maravilhosos, mas por incrível que pareça, paisagem e cenário não é o que me inspira. Às vezes, eu gosto de estar neles para escrever, mas não que isso seja a inspiração, de ver uma praia, uma imagem, uma montanha. O que me inspira é música. A música me inspira muito, não importa onde eu esteja. Se eu estiver sentado em uma bela praia escutando uma musiquinha, vai me inspirar pela música, não pela praia. Até escrevi um poema sobre isso, sobre o que me inspira e para mim é a música.

 

16) Você mora na Lagoa da Conceição, em Florianópolis. Qual a mágica, ou a magia que este lugar tem que mais te fascina, encanta e inspira? E por quê?

Paulo: A Lagoa da Conceição é um lugar fascinante, é um local onde tem cultura – cultura popular. É um local onde você vê o artesão, as artesãs, onde você vê a turma das antigas, os oleiros, as rendeiras, onde você vê o feirante. Onde você conversa com todas estas pessoas e você troca excelentes ideias. Você vê músicos pela lagoa, você vê músicos de fora, chilenos e peruanos, desfilando a arte deles na Lagoa. Todo mundo vendendo sua arte, divulgando sua arte, nesse lugar tão sensacional, de tão bonito que é. Isso tudo inspira; estar na Lagoa inspira. Não que olhando a lagoa me cause inspiração, não. Morar na Lagoa, estar situado na Lagoa eu acho sensacional. Parece que você quando sobe o morro da Lagoa, lá em cima, quando você está naquela vista linda e começa a descer, parece que ali tem um portal que te leva para um canto da cidade que é especial. Tenho muito carinho por este canto, moro aqui e gosto muito dessa região: Lagoa, Rio Tavares, Campeche. Se eu puder escolher, optar, eu não saio dessa região.

 

17) Existe alguma coisa ou aspecto na poesia que você não goste ou que te incomode?

Paulo:

 

18) Na sua página de Facebook, tem fotos suas praticando corrida. Correr é uma atividade que, muitas vezes, dá a sensação de liberdade. Como você se sente mais livre: correndo ou escrevendo poemas?

Paulo: Eu me sinto mais livre correndo. São tipos de liberdades diferentes. Eu gosto muito de correr em trilha e na trilha eu sinto o cheiro do mato, tem trilha que eu faço e fica na beira do mar, tem a maresia junto. Isso me dá uma sensação de liberdade muito grande, o vento na cara.... O vento na cara é uma coisa que eu gosto demais, assim como eu sinto quando ando de moto. Quando me falas liberdade entre essas duas opções, eu acho que a corrida me dá mais essa liberdade, porque é uma sensação que vem naturalmente. É começar a correr e vem o ventinho e se sentir livre.

 

19) Vamos falar sobre livros: o que falta para que você publique o seu primeiro livro?

Paulo: Para eu publicar o livro, faltam algumas coisas. Falta eu encontrar a editora, gráfica. A produção vi ser independente, então falta verba. E acho que eu vou tentar um financiamento coletivo, tentar não, realizar. Criar um projeto para realizar um financiamento coletivo para viabilizar a publicação desse livro. Estava meio morno e agora eu estou com uma vontade tremenda de concluir isso e lançar meu primeiro livro. Eu quero fazer isso com muito cuidado, com muito carinho nessa primeira publicação. Eu olho amigos que publicaram, acho um grande barato ter uma obra constituída. Pois o livro, além da tua expressão que está exposta ali, são palavras que não voltam mais e ficam aí, para que todo mundo veja, para que todo mundo perceba tuas intensões, percebam teu pensamento e isso fica para o mundo e não volta mais.

 

20) Tens alguma meta como escritor, seja em remuneração, prêmios a conquistar, reconhecimento da mídia, dos leitores?

Paulo: Minha meta como escritor é seguir como escritor, lançar o primeiro livro e continuar tendo inspiração para lançar o segundo, o terceiro... e não só de poemas, mas entrando na parte de narrativas. Fazer disso não só um hobby, mas uma forma de rentabilizar. Não tenho o objetivo de ficar rico, nem nada disso. Mas, dos livros, dos produtos que eu penso em produzir com os escritos, eu penso em ser sim, uma maneira de um complemento de sustento. Eu tenho a ideia de fazer uma Kombi literária e levar a leitura, espalhar a leitura por aí. Agora, reconhecimento de mídia, esse tipo de coisa, não. Não tenho isso; isso é uma coisa que pode vir naturalmente, mas eu quero que muitas pessoas leiam o que eu escrevo. Que aquilo que eu escrevo se espalhe por aí e que faça sentido para as pessoas. Que as pessoas leiam aquilo e que possa tocá-las de alguma maneira, como já me apontaram, que determinados textos tocam, servem de incentivo e de reflexão. Esse é o meu barato.

 

21) O que te faz escrever é um sentimento de angústia, dor, mágoa, ou de alegria, felicidade, euforia, gratidão?

Paulo: O que me faz escrever depende do momento; tem momento de mágoa, de extrema felicidade, euforia, gratidão, é um misto, depende muito do momento. Já houve situação em que eu quis me expressar sobre determinado assunto, algum assunto polêmico que tenha me causado raiva, mas que naquele momento me faltou a palavra certa e não me saiu nada. Porque eu venho de inspiração e tem momento de euforia, que bateu uma música, uma inspiração que em cinco minutos já estava pronto o meu poema. Mas o motivo em si, posso falar que não há nada muito específico. É muito do momento e pode ter sim, alegria, euforia, tristeza, angústia, enfim, cada um dos itens citados na pergunta.

 

22) Complete esta afirmação: escrever faz bem porque...

Paulo: Escrever faz bem porque faz com que eu expresse o que eu penso, na hora que eu penso, do jeito que eu penso e de uma maneira que ninguém pode me conter. Eu escrevo o que eu quero e sou responsável pelo o que eu escrevo, publico a hora que eu quero, jogo para o mundo a hora que eu quero. E essa sensação de liberdade, assim como a da corrida (RISOS), me faz muito bem. É libertador escrever!

 

23) Você é mais apaixonado pelo Flamengo ou pela poesia?

Paulo: O Flamengo está no meu DNA; está no meu sangue, corre nas minhas veias. E a poesia eu fui desenvolvendo depois de grande, é uma coisa mais recente e que me apaixonei. Hoje é uma paixão também. O Flamengo é uma poesia. Se você tirar o Flamengo só do futebol, ele é uma poesia. Basta ir ao Maracanã para ver a sinergia da torcida chegando no estádio, subindo a rampa, os cantos, as bandeiras das torcidas chegando, o ritual antes do time entrar em campo, o frisson, a batucada da torcida descendo a rampa no final do jogo, a multidão indo pegar o metrô, o trem, o ambulante vendendo a sua cerveja, vendendo as faixas, seus produtos, a alegria do torcedor, o sem dente junto do mais abastado... isso tudo é poesia! O Flamengo é uma grande poesia. Observar o Flamengo em um domingo no Maracanã é uma grande poesia. E entre p Flamengo e a poesia, se eu tiver que comparar, o Flamengo dá uma goleada (RISOS).



PAULO FLORES





Paulo é natural do Rio de Janeiro e ainda garoto foi morar em Florianópolis - SC. É formado e Pós Graduado em Direito , pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. Nesse período, teve seu primeiro contato com o mundo dos poemas através do poeta Emmanuel Marinho. Apesar da formação jurídica, seguiu carreira profissional na área comercial, sobretudo no universo da tecnologia. Em 2017, escreveu seu primeiro poema - "Caminho das Flores" - no qual retrata sua trajetória de início de vida e homenageia seus pais. Poema este, premiado no CNPP - Concurso Nacional dos Novos Poetas de 2017. Desde então, segue escrevendo e espera em lançar seu primeiro livro


CASA DA LITERATURA CATARINENSE

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