quarta-feira, 10 de junho de 2020

ENTREVISTA COM NÉLIDA PIÑON


“O Brasil melhorou pouco em relação ao talento que temos”

A escritora brasileira fala do valor da memória como motor da literatura e do poder da narrativa para se apropriar da história.


“Levo no rosto uma história curtida e que me ajuda a envelhecer”, escreve Nélida Piñon (Rio de Janeiro, 1937) no começo do seu mais recente romance, Livro das Horas (Record). De fato, seus olhos se perdem entre as infinitas dobras do seu sorriso cada vez que rememora os retalhos dessa história mais próximos da infância e, em geral, cada vez que disserta sobre qualquer coisa. A conversa da escritora flui com total desenvoltura da sua infância para o presente – dos Westerns de Hollywood para os montes galegos; de são Bernardo de Claraval para um artigo sobre o toureiro José Tomás, que a fascinou; da magia da memória para a realidade do seu país. Piñon fala de tudo porque sua inquietação, como seu sorriso, é ilimitada. Passa de um tema a outro, intercalando casos pessoais dos seus pais galegos, mas sem nunca se extraviar no diálogo, demonstrando que maneja o fio das palavras com o mesmo domínio tanto se as prende no papel quanto se as lança ao ar.

A escritora está trabalhando em um livro de contos e em um romance, o que intercala com crônicas jornalísticas e com palestras, como a que proferiu nesta quinta-feira na sede do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em Washington, por ocasião da entrega da Cátedra Enrique Iglesias de Cultura e Desenvolvimento, instituída no ano passado pelo BID. Lá, defendeu a universalidade e o sincretismo da memória latino-americana como marcas da identidade cultural da região, usando para isso um belo resumo da história da literatura brasileira e latino-americana.

Pergunta. A senhora defende a memória sincrética do hemisfério como o pilar aglutinante da sua cultura. Até que ponto essa mestiçagem foi o que permitiu gestar e consolidar uma identidade cultural latino-americana?

Resposta. A mestiçagem resiste a todos os embates e a todos os impactos. Nada é estático, tudo sofre transformações, mas, à medida que essas mutações não expelem parte do que já se tem dentro, o que esses impactos fazem é acrescentar novos elementos, e isso provoca uma fusão extraordinária. Quanto mais você tem, mais você é dono do seu pensamento, um pensamento que não é só seu, é o pensamento de todos. O bom seria visitar e ser vizinha de todos os pensamentos.

P. O pensamento e a memória estão muito presentes ao longo das suas obras, e em particular no seu último romance. Os escritores têm uma relação particular com suas lembranças e com a forma como as transmitem. Qual é a sua?

R. A memória na verdade não é mimética, a memória não copia algo vivido, a memória interpreta e o faz através de invenções, porque não se pode recuperar a memória sem inventar, porque o que se percebe é também uma invenção do presente. Não há nenhuma memória que seja uma réplica, ela se sustenta em lembranças, em espaços fragmentados quase intangíveis... Não existe literatura sem memória.

P. Portanto, sua frase “Só a imaginação não nos trai” continua perfeitamente vigente.

R. Absolutamente. A memória é tão tremenda que às vezes ela lhe nega o que você precisava e, anos depois, você percebe coisas que não havia lembrado antes, que lhe haviam passado despercebidas. Além do mais, a memória é socializada, não existe uma memória solitária. A sua memória é também a do outro. Vivemos quase sempre acompanhados, e quem está ao seu lado é partícipe da sua memória, a memória sempre pede uma coautoria.

P. Essa coautoria da memória também é universal, vem sendo gestada com as contribuições de séculos de história, como a senhora citou no seu discurso no BID, em que mencionou Homero, uma figura recorrente para a senhora. Por que Homero e os gregos são tão determinantes?

R. Nós não somos originais, somos herdeiros de um conjunto de saberes que se perdem na noite dos tempos. Somos seres que acreditamos em nossa existência porque narramos. Se não narrássemos não saberíamos das nossas histórias, não saberíamos o que fizeram nossos avós; graças à narrativa, o que os outros fizeram está em nós, e não morre. Não podemos acreditar que a contemporaneidade tenha nascido de si mesma, tudo nasce porque vem de antes. Para ser moderno é preciso ser arcaico, é preciso ser antigo, é preciso entender Homero como símbolo, entender o mitos, é preciso entender tudo.

O Brasil na periferia

P. O Brasil atualmente é sinônimo de sucesso e prosperidade. Esse desenvolvimento econômico também chegou à cultura?

R. Melhoramos em nível internacional, mas não em relação aos talentos que temos. Ainda somos periféricos. Os grandes autores do Brasil demoraram muito até se tornarem conhecidos, porque ninguém se importava com eles, e o próprio país não teve uma política de expansão nesse sentido. Eu já viajei muito, e cada vez que chegava a um país perguntavam como ia o Brasil, mas eu percebia que faziam isso por pura amabilidade. Era uma evidência clara de que éramos periféricos. Estamos melhorando, mas pouco em relação ao produto criador que podemos oferecer.

P. O que seria necessário fazer para impulsionar mais?

R. Acredito que os jovens escritores e os autores veteranos estão produzindo sua obra com independência, como deve ser, porque não podemos nos deixar dominar pelas regras do mercado, isso seria um perigo. No afã de ganhar e de ser reconhecido se fazem concessões externas, e é preciso tomar cuidado com isso. Em todo caso, não acredito que o problema resida inteiro no Brasil, nos EUA a literatura brasileira tem cada vez menos penetração do que antes, sua sociedade está mais fechada, antes se traduzia mais do que agora.

P. A que atribui isso?

R. Há artes mais visíveis, e a leitura toma tempo, é uma tarefa muito árdua, é preciso pensar, é preciso entender o que se está lendo. A música é algo mais ligeiro [cantarola e ri], que se pode escutar enquanto se faz outra coisa. Ler é um ato muito comprometido, compromete a cabeça, o pensamento e o coração. Não desmembra o outro. Levará tempo. A penetração do Brasil está melhorando, mas ainda é muito pequena levando em conta tudo o que temos, mas que bom que se começou a gerar interesse. Estamos em muitas feiras internacionais e estamos vendo resultados.

P. A senhora foi a primeira diretora de uma Academia de Letras. Agora, no Brasil e em outros países da América Latina, há várias mulheres na presidência. Isso é um sintoma da valorização da mulher na região, ou são casos pontuais?

R. É indicativo, sem dúvida. Imagine, um país como o Brasil ter uma mulher como presidenta. Na Europa há a Angela Merkel. É indicativo de que uma mulher pode estar à frente de uma nação, que é um cargo de extrema responsabilidade. É algo que significa muito. No Brasil, a presidenta do Petrobras é uma mulher, Graça Foster. Cargos que antes só estavam reservados para homens, nas ciências, na pesquisa, estão começando a ser ocupados por mulheres, e isso é uma expressão positiva, que não resolve o problema total. Estão ocorrendo melhoras, mas há aspectos que precisamos combater, como a violência doméstica, o fato de os salários não serem equivalentes, e de que em geral é delas que depende a manutenção do lar.

Temperamento e criação

P. A senhora sempre está sorrindo. O que lhe tira esse sorriso?

R. Como todas as pessoas sensíveis, às vezes fico triste, mas sempre penso que minha obrigação é reagir às minhas próprias limitações. Posso viver o luto, mas é preciso procurar equilíbrio, quase relativizar. Já vivemos e continuamos vivendo tragédias terríveis, não posso ser ingênua, nossa malignidade é infinita, somos muito selvagens, mas ainda assim temos um Mozart [sorri]. Quando eu tinha 13 anos, paramos com minha família em um restaurante modesto, e lá havia uma família muito humilde. O pai era um homem muito forte, do tipo do protagonista de Um Bonde Chamado Desejo, que não parava de gritar com seu filho pequeno: “Come, menino, come!”. Foi uma revelação para mim porque, em sua brutalidade, o pai não estava gritando com o garoto porque ele não queria comer, mas porque, se não comesse, iria morrer. Nessa brutalidade subjazia o pânico de que o menino pudesse não sobreviver. A comida era o passaporte do amor. Com isso eu quero lhe dizer que tenho noção de tudo. Choro, me lamento, mas o que ocorre é que é do meu temperamento não exibir a minha dor.

P. Agora mesmo a senhora está trabalhando em um livro de contos e em um romance. Em qual gênero se sente mais à vontade?

R. Prefiro o relato longo, o romance, embora esteja gostando desse livro de contos. Mas onde encontro o desafio é no romance. Adoro o gênero, porque o romance esquadrinha a sociedade por fora e por dentro, tem todos os tempos, lhe dá espaço para conceber algo totalizante.

P. Dada sua transbordante curiosidade, em que leituras anda embarcada?

R. Leio de tudo, mas tenho atrações profundas, atrações teológicas por certos pensadores antigos. Tenho uma atração pelos gregos, isso sempre, e amo muito estudar alguns séculos. Há séculos que me fascinam porque definem circunstâncias extraordinárias, como o século XII. Penso em tudo o que aconteceu esse século e há um aspecto que me parece extraordinário. Acredito que, de acordo com minha interpretação, foi então que na Europa se desenvolveu o mito mariano. Sua figura [de Maria] não estava disseminada, e o mito chega à Europa apoiado por um homem muito poderoso – sempre foi necessário haver um homem que apoie, porque são eles que ostentam o poder –, um cisterciense, são Bernardo de Claraval, que se apaixona pelas percepções de Maria, apodera-se do mito e o difunde. Esse é um momento transfigurador da história.

P. A senhora tem escrito que tem “apetite por almas”, referindo-se à sua necessidade de estar com as pessoas. Como concilia isso com o ofício solitário que é a escrita?

R. A escrita é um ofício solitário, mas eu sou muito mundana. Sou uma combinação. Sou capaz de falar 20 horas seguidas sem beber água, mas também de pensar. Amo pensar. Adoro os meus amigos, preocupo-me muito com as pessoas. Não quero ser um escritor ensimesmado. Preciso de gestos humanos, de atitudes que sejam nossas. Com 10 anos, meu pai me dava uma trouxa com fruta, um pedaço de pão, queijo e presunto, que é para mim a comida dos deuses, e me deixava sair sozinha pelo monte. Ali tive um aprendizado de solidão maravilhoso. Escutava o uivo dos lobos misturado com o ar do norte e me sentia a menina mais feliz do mundo. Eu posso passar dias e dias e dias sozinha, embora ame as pessoas.

P. A senhora gosta de tomar a temperatura das palavras. Mudou o modo de fazer isso agora que o imediatismo das novas tecnologias faz com que tudo se desvaneça mais rápido?

R. O cuidado é o mesmo. Não posso me deixar afetar pela instantaneidade, porque isso não tem nada a ver com a criação. A criação tem outro tempo, outro cuidado, outro gosto, outro destino. A literatura é criação. A literatura precisa de um texto cuidadoso, lento, que não seja afetado pelo tempo, que se decante lá pelo final do livro, e nesse empenho não se pode ter a preocupação com instantaneidade.

https://brasil.elpais.com/brasil/2013/12/07/actualidad/1386455601_127479.html


segunda-feira, 8 de junho de 2020

ENTREVISTA COM JG DE ARAÚJO JORGE


Tomei conhecimento deste autor, escritor e poeta, por intermédio de minha mãe. Eu era adolescente e gostava de ler; um dia, busquei algo para ler e encontrei alguns livros deste autor... Os livros eram dela... Li um, li dois livros e acho que li todos os livros que ela tinha de JG de Araújo Jorge! E tenho este nome guardado em minha memória, ainda que ele não seja (re)conhecido pela maioria dos brasileiros - eu devo ser uma das exceções...




J. G. de Araujo Jorge (Entrevista comigo mesmo)

 Compilado do livro “No Mundo da Poesia” – edição do autor- página 229, 1969.

Que Pensa da arte?

Insopitável necessidade de emergir. Todos nós que vivemos soterrados em tantos “eus, sentimos ânsias de ar, de sol, de revelação, de comunicação. A arte ajuda o homem a se aceitar, a compreender o mundo que o cerca, a se aproximar de Deus. A alma humana, como as baleias, vive mas precisa vir à tona para respirar.

– E do poeta ?

É um tradutor de realidades subjetivas. UM transfigurador. Um mergulhador dos mares do espírito. É através de mensagem, que o homem comum consegue atingir “o outro lado” das coisas! Seu trabalho enriquece a todos. Já o poeta é um prestidigitador – faz mágicas com a Vida – transforma água em vinho, para a embriagues da beleza. Mas há o reverso da medalha: quantos poetas tenho encontrado que apenas não fazem versos!

E da poesia ?

É a ciência do coração. Os poetas são os sábios do sentimento. E quantas coisas revelam sem se aperceberem de suas descobertas. Tenho dito muitas vezes: são seres que pensam, sentindo ou, pensam, porque sentem. Constróem seu mundo com emoções.
Quando pretendem filosofar, falam de amor. E falar de amor já é fazer poesia.
A poesia é criada pelo pensamento, mas seu material é o sentimento. Cobaias de si mesmos, os poetas, em experiências e pesquisas constantes, revelam a vida, são apenas homens que nasceram poetas.

Então, o poeta não é um ser diferente?

É um ser diferente num homem comum. Sou um homem comum, apenas dispondo de recursos para realizar uma tarefa que não está ao alcance de todos.
O poeta é como um alpinista, que já nascesse trazendo em si mesmo os instrumentos e apetrechos para poder realisar escaladas.
Sou um homem comum que anda na rua, canta no banheiro, vai ao futebol, toma porre, diz palavrão, faz versos para ela; que ama, briga, sonha, desespera, como qualquer um. Há um velho adágio latino: “primeiro viver, depois filosofar”. Bem se poderia parafrasear: primeiro viver, depois poetar.

– E por que acha que faz poesia?

Talvez porque a única coisa que sei, e sei mal, sou eu mesmo. Se ninguém gostasse de minha poesia ainda assim a faria. Pois nasci para isso. Não é tanto que eu goste de minha poesia, mas porque preciso dela, o que talvez venha a ser a mesma coisa.
Mas, o fato é que, sem minha poesia., ficaria doente, como um índio confinado numa cela, sem sua selva, seus rios, seus pássaros, sua liberdade. Me encontro nela como peixe no mar. Ela me dá a impressão de que não é só do meu espírito, mas do corpo também. Eu a sinto, quase fisicamente. Os artistas são como as cigarras: estas, morrem de tanto cantar; nós, se não contarmos, morreremos.

– É fácil ou difícil fazer versos?

Fácil, ou impossível. Impossível, no sentido de ser. Você pode se tornar um pianista, nunca um “virtuoso”. Você pode aprender a fazer versos, nunca a ser poeta. Poesia não é só construção. Se não, poderíamos abrir uma escola para poetas, como há uma escola de Engenharia ou de Direito. E é preciso que se diga isto, quando há uns poetas por aí negando-se a si mesmos.
Quanto a mim, já respondi: Eu faço versos assim,/ como quem respira ou canta / a poesia nasce em mim,/ como do chão nasce a planta.

– Gosta do que faz?

É como se me perguntasse se gosto de rir, ou de chorar. Gosto de cantar, de mataborrar minha alegria ou minha dor em versos. Poderia até responder numa quadrinha: Eu faço versos assim/ como quem ri, ou quem chora,/ e ao arrancá-los de mim/ fico nú e vou-me embora. .

– Que acha de sua obra?

Seria difícil responder, de dentro dela, onde me encontro. Faltam-me isenção e perspectiva. Mas sou um velho fazedor de versos, que em suas releituras muita vez não se reconhece em sua própria obra. Somos tantos afinal, em nós mesmos, em mortes e renascimentos que nos acabam e nos multiplicam. Mas seria um pai desnaturado se não gostasse do que nasce de mim, com todas as qualidades e defeitos que são os meus.

– Julga-se um poeta moderno?

Um poeta moderno é o que se comunica com o seu tempo, e lhe traduz as esperanças, anseios, desesperos. Se os moços lêem os meus versos e os sabem de cor, e os escrevem em seus cadernos, e compram meus livros, então não sou apenas um poeta moderno, de hoje, mas um contemporâneo do futuro, porque já estou me dirigindo ao amanhã.

– Que acha do amor, como tema poético?

O mais importante. Veio explorado, mas inesgotável, só os verdadeiros poetas conseguem, encontrar-lhe novos “filões”. Confessei em “Eterno Motivo”: Não me envergonho nunca de falar de amor. E repeti, em “O Poder da Flor”. Acima de tudo cantarei o amor./ O de Cristo e Confúcio, o de Romeu e D. Juan, / o de Che Guevara,/ acima de todo cantarei o amor.

– Então, o amor é o grande tema ?

Sim, o amor, a vida. Está no meu “Cantiga do Só” poesia sem vida, é como flor de papel, de matéria-plástica Falta-Ihe seiva, viço, perfume. Não será mel nem fruto. Não conhecerá pássaros nem abelhas. É uma imitação triste.
E a poesia tem que ser múltipla pelas próprias contingências da vida. Sem falar de minha poesia social e política (sou talvez o único poeta brasileiro com livros de poesia política: “Estrela da Terra”, “Mensagem”, a segunda parte de “O Poder da Flor), minha obra lírica evoluiu, como é natural, a cada livro. Hoje, nos meus últimos livros, meu lirismo é um canto dramático, em que o lírico é mais um fio melódico, à distância.

Há lugar para a poesia em nossos tempos?

Em todos os tempos.
E quanto mais árido o chão, mais sede de beleza sentirão os homens. Nas bicas, nos cantis, nas mãos, no coração, nas pedras, a poesia é água fresca sem a qual a vida morre. Por isso já escrevi: Alegria / é apanhar no chão,/ a água da minha poesia / a correr, / e dar a quem tem sede no coração / para beber.
Isto me dá a sensação também da constante utilidade da minha poesia, pois percebo que muitos precisam dela, como de um pedaço de pão, ou de um gole d’água.
A poesia é, além do mais, companhia e confidente. E quanta solidão anda por aí desarvorada, sem uma porta que se abra, um coração que a receba !

– Que acha da criação?

Não sei defini-Ia. Sei que após ela, nos sentimos leves e felizes, como devem se sentir as mulheres após a maternidade, as crianças depois das aulas, a terra depois da chuva. Proust a definiu: decolar. . .

Há inspiração?

Sim, é um toque de Deus no artista. Uma espécie de “mediunidade”. Um transe, um “estado de graça” tão natural, como a manifestação do amor. O poeta não é apenas “o arquiteto, o engenheiro, o construtor, o operário” como diz Vinícius, mas o próprio morador do edifício, e sem sua presença, a sua construção é menos que uma ruína, será um edifício vazio, sem alma, sem sentido. Com o pensamento, o homem faz prosa, faz Filosofia, Direito, Teatro, Romance. Sem o sentimento, não há poesia, ou o que há de poesia, será àquela vaga emoção que o pensamento conseguiu perturbar ou despertar. Alguns, raros, poetas, pensando, se emocionam. O processo da criação poética é, entretanto, outro; sem trocadilho, inverso: porque se emocionam, os poetas pensam, e então criam.
E o ato de criar verdadeiro é imprevisível. O poeta, não diz: bem, vou fazer um poema. O poema é que vem, e diz: estou aqui, escreve-me. Tentei explicar todo um livro, “Harpa Submersa”: sua linguagem escorreu como lava de vulcão, fixando todas as emoções e angústias interiores. Cristalizou-se muitas vezes, como os minerais que constroem ângulos e arestas sem conhecer as leis das cristalografia.

Assim é a poesia.


FONTE: https://nuhtaradahab.wordpress.com/2008/08/09/j-g-de-araujo-jorge-entrevista-comigo-mesmo/

41 ANOTAÇÕES DE MARIO QUINTANA

domingo, 7 de junho de 2020

AUTORES RESPONDEM A PERGUNTA: "POR QUE VOCÊ ESCREVE?"

“Por que escrevo?” – 19 depoimentos que você precisa conhecer

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– Por que você escreve?

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No livro Por que escrevo?, organizado por José Domingos de Brito como parte da série “Mistérios da Criação Literária”, a pergunta parece ser feita a todos os mais variados cânones da literatura, da poesia, e do jornalismo – pessoas que, enfim, constroem e desconstroem com palavras. De A a Z, as respostas vão sendo traçadas uma a uma, em um espírito íntimo em meio ao qual o leitor tem, certas vezes, a impressão de ouvir da boca de seu grande ídolo as razões que o levaram a tal árdua profissão . Enquanto Allen Ginsberg diz que escreve porque gosta de cantar quando está só, Gabo diz que escreve para que seus amigos o amem mais. E assim o livro nos mostra, em uma coletânea despretensiosa e sem ornamentos — e com uma rica bibliografia sobre o ofício da escrita —, das respostas mais simples e definitivas às mais reflexivas, abrangentes e complexas possíveis.

Aqui vão algumas delas.

Allen Ginsberg
“(…) Eu escrevo poesia porque gosto de cantar quando estou só (…) Eu escrevo poesia porque minha cabeça contém uma multidão de pensamentos, 10 mil para ser preciso (…) Eu escrevo poesia porque não há razão, não há porquê. Eu escrevo poesia porque é a melhor forma de dizer tudo que me vem à cabeça no intervalo de um quarto de hora ou de toda uma vida.”


Augusto dos Anjos

“A princípio escrevia simplesmente

Para entreter o espírito… Escrevia
Mais por impulso de idiossincrasia
Do que por uma propulsão consciente.

Entendi, depois disso, que devia,
Como Vulcano, sobre a forja ardente
Da ilha de Lemnos, trabalhar contente,
Durante as 24 horas do dia!

Riam de mim, os monstros zombeteiros.
Trabalharei assim dias inteiros,
Sem ter uma alma só que me idolatre…

Tenha a sorte de Cícero proscrito
Ou morra embora, trágico e maldito,
Como Camões morrendo sobre um catre!”

Carlos Drummond de Andrade

Posso dizer sem exagero, sem fazer fita, que não sou propriamente um escritor. Sou uma pessoa que gosta de escrever, que conseguiu talvez exprimir algumas de suas inquietações, seus problemas íntimos, que os projetou no papel, fazendo uma espécie de psicanálise dos pobres, sem divã, sem nada. Mesmo porque não havia analista no meu tempo, em Minas.”

Clarice Lispector
“Eu tive desde a infância várias vocações que me chamavam ardentemente. Uma das vocações era escrever. E não sei por que foi essa que segui. Talvez porque para as outras vocações eu precisaria de um longo aprendizado, enquanto que para escrever o aprendizado é a própria vida se vivendo em nós e ao redor de nós. É que não sei estudar. E, para escrever, o único estudo é mesmo escrever. Adestrei-me desde os sete anos de idade para que um dia eu tivesse a língua em meu poder. E, no entanto, cada vez que vou escrever, é como se fosse a primeira vez. Cada livro meu é uma estréia penosa e feliz. Essa capacidade de me renovar toda à medida que o tempo passa é o que eu chamo de viver e escrever.”

Fernando Pessoa
“Eu escrevo para salvar a alma.”

Fernando Sabino
“Tenho a impressão de que se eu soubesse responder a essa pergunta deixaria de ser escritor. Não haveria condição. Não saberia dizer, não. Está além da minha compreensão. Esta pergunta é tão grave como se perguntassem: ‘Por que vive? Por que ama? Por que morre? ’. Talvez eu escreva para atender a essas três presenças que são as únicas que existem na vida de um homem. No verso de Eliot: ‘Birth, copulation and death’; eu diria ‘nascimento, amor e morte’. Não sei por que escrevo. Eu nasci, virei homem e vou morrer.”

Gabriel García Márquez
“Para que meus amigos me amem mais.”

George Orwell
“Meu ponto de partida é sempre um sentimento de proselitismo, uma sensação de injustiça. Quando sento para escrever um livro, não digo a mim mesmo: ‘Vou produzir uma obra de arte’. Escrevo porque existe uma mentira que pretendo expor, um fato para o qual pretendo chamar a atenção, e minha preocupação inicial é atingir um público. Mas não conseguiria escrever um livro, nem um longo artigo para uma revista, se não fosse também uma experiência estética. Quem se dispuser a examinar meu trabalho perceberá que, mesmo quando é uma clara propaganda, contém muito do que um político de tempo integral consideraria irrelevante. Não sou capaz de abandonar por completo a visão de mundo que adquiri na infância, nem quero. Enquanto viver e estiver com saúde, continuarei a ter um forte apego ao estilo da prosa, a amar a superfície da Terra, a sentir prazer com objetos sólidos e fragmentos de informações inúteis. De nada adianta tentar reprimir esse meu lado. O trabalho é conciliar os gostos e os desgostos arraigados com as atividades essencialmente públicas, não individuais, que esta época impõe a todos nós.”

Jean-Paul Sartre
“Porque a criação só pode encontrar seu acabamento na leitura; porque o artista deve confiar a outro a tarefa de concluir o que ele começou; porque somente através da consciência é que ele pode se ter como essencial a sua obra e toda obra literária é um apelo. Escrever é apelar ao leitor para que ele faça passar à existência objetiva o descobrimento que empreendi por meio da linguagem.”

João Cabral de Melo Neto
Por que escrevo é um negócio complicado… Eu tenho a impressão de que a gente escreve por dois motivos. Ou por excesso de ser — é o tipo do escritor transbordante, como a maioria dos escritores brasileiros; é uma atitude completamente romântica — ou por falta de ser. Eu sinto que me falta alguma coisa. Então, escrever é uma maneira que eu tenho de me completar. Sou como aquele sujeito que não tem perna e usa uma perna de pau, uma muleta. A poesia preenche um vazio existencial. Às vezes, eu escrevo porque quero dizer determinada coisa que eu acho que não foi dita; às vezes, porque me interessa que conheçam meu ponto de vista. Às vezes, escrevo também por prazer.”

José Saramago

“Antes eu dizia: ‘Escrevo porque não quero morrer. ’ Mas agora eu mudei. Escrevo para compreender. O que é um ser humano?”


Julio Cortázar
“(…) O fascínio que uma palavra produzia em mim. Eu gostava de algumas palavras, não gostava de outras, algumas tinham certo desenho, uma certa cor. Uma de minhas lembranças de quando estava doente (fui um menino muito doente, passava longas temporadas de cama com asma e pleurisia, coisas desse tipo) é a de me ver escrevendo palavras com o dedo, contra uma parede. Eu esticava o dedo e escrevia palavras, e via as palavras se formando no ar. Palavras que eram, muitas vezes, fetiches, palavras mágicas. Isso é algo que depois me perseguiu ao longo da vida. Havia certos nomes próprios — e sei lá por quê — que para mim tinham uma carga mágica. Naquela época havia uma atriz espanhola que se chamava Lola Membrives, muito famosa na Argentina. Bom, eu me vejo doente — aos sete anos provavelmente — escrevendo com o dedo no ar Lo-la-Mem-bri-ves, Lo-la-Mem-bri-ves. A palavra ficava desenhada no ar e eu me sentia profundamente identificado com ela. De Lola Membrives, a pessoa, eu não sabia muita coisa, nunca a tinha visto e nunca a vi. Na realidade, eram meus pais que iam ver as peças onde ela trabalhava. E foi nesse mesmo momento que comecei a brincar com as palavras, a desvinculá-las cada vez mais de sua utilidade pragmática e comecei a descobrir os palíndromos, que depois apareceram nos meus livros… Desde muito pequeno, minha relação com as palavras, com a escrita, não se diferencia da minha relação com o mundo em geral. Eu não acho que nasci para aceitar as coisas tal como estão, tal como me são oferecidas.”

Manuel Bandeira
“Na verdade, faço versos porque não sei fazer música… Jamais senti que meu destino fosse a Poesia, sobretudo assim com esse P maiúsculo que pressinto na sua garganta. Creio que se fui poeta em alguns momentos, só o fui por incidente patológico ou passional.”

Moacyr Scliar
“Quando criança, eu era adicto à literatura, não podia ficar sem ler. A minha conexão com a vida acontecia via literatura. Eu lia para aprender a viver, para saber o que fazer. É claro que isso provoca muitas desilusões, muitos choques, porque a vida não é a literatura. Assim, quando comecei a escrever, foi porque lia. Outra razão é que meus pais foram grandes contadores de história. Numa noite quente como essa, as pessoas do meu bairro se reuniam para contar histórias, o que, desde muito cedo se incorporou em mim, passou a ser uma coisa que eu também queria fazer, só que à minha maneira, escrevendo.”

Paulo Francis
“Escrevo romances para me perpetuar, para ter fama, glória, dinheiro, amor, essas coisas comezinhas da vida.”

Rachel de Queiroz
“Acho que para cada escritor há uma razão diferente. No meu caso, num certo sentido, é o desejo interior de dar um testemunho do meu tempo, da minha gente e principalmente de mim mesma: eu existi, eu sou, eu pensei, eu senti, e eu queria que você soubesse. No fundo, é esse o grito do escritor, de todo artista. Creio que o impulso de todo artista é esse. É se fazer ver. Eu existo, olha pra mim, escuta o que eu quero dizer: tenho uma coisa pra te contar. Creio que é por isso que a gente escreve.”

Sérgio Milliet
“Quer saber de uma coisa? Não acredito na predestinação literária. São circunstâncias acidentais que fazem o escritor e é o acaso de um primeiro êxito que o leva a perseverar. Um homem de inteligência média faz qualquer coisa; basta que a vida o exija. Qualquer camarada de algumas letras escreveu versos na mocidade; se não continuou, foi porque outra coisa lhe interessou.”

Truman Capote

“Sou um escritor essencialmente horizontal. Não posso pensar mais do que quando estou encostado, com um cigarro nos lábios e uma xícara de café ao alcance da mão. A xícara de café pode ser trocada por um copo de vodka, não há por que ser maníaco. Não uso máquina de escrever, redijo à mão, com lápis. Trabalho quatro horas por dia durante quatro meses por ano. Sou um estilista: me preocupa mais onde colocar uma vírgula que ganhar o prêmio Nobel.”

William Faulkner
“Para ganhar a vida.”


E você, por que escreve?

*Todos os depoimentos a seguir transcritos pertencem à coletânea “Por que escrevo?”, organizada por José Domingos de Brito (editora Novera), com suas respectivas fontes individuais. 


FONTE: https://homoliteratus.com/por-que-escrevo-19-depoimentos-que-voce-precisa-conhecer/?fbclid=IwAR0aTa7SYqWFECxI2fKCoWiVzQyBkW-XsmZYJgOi5HCdTj4mAkVtoAPlx_U

DICAS PARA ESCREVER - WILLIAM FAULKNER

William Faulkner, que colaborou no aprendizado de muitos jovens escritores na Universidade de Virgínia.




Eu acredito que o escritor, como já disse antes, é completamente imoral. Ele se apropria do que precisar, de onde precisar e o faz de forma aberta e honesta, porque ele espera fazer algo bom o suficiente para que outras pessoas depois dele se apropriem de sua obra e ele permite isso de bom grado, assim como acredita que os seus antecessores permitiram que ele se apropriasse da obra deles também.

Não tenha medo de se inspirar e se espelhar em outros autores. O seu caminho é único e não pode ser percorrido por mais ninguém. Aprender com os grandes apenas ajudará você a consolidar todo o potencial que já existe no interior.


FONTE: https://bibliomundi.com/blog/dicas-de-grandes-autores-para-iniciantes/

DICAS PARA ESCREVER - ERNEST HEMINGWAY

Em diversos textos diferentes com dicas para escritores, encontramos as palavras de Hemingway. O premiado escritor e jornalista americano tinha muito o que dizer não só através de suas obras, mas também sobre elas e sua ética de trabalho.




Hemingway era capaz de organizar a escrita com disciplina e empenho, características de um bom profissional. Seus conselhos mais valiosos não procuram ditar qual tipo de autor você deve ser, nem o estilo de seu trabalho, mas o caminho para você produzir de forma criativa e eficiente.

O melhor caminho é sempre parar quando você está indo bem e sabe o que acontecerá em seguida. Se você fizer isso todos os dias enquanto escrever um romance, você nunca vai enfrentar um bloqueio.

Quando eu escrevia, era necessário ler o que eu havia escrito. Se você pensar demais sobre isso, você perde aquilo que estava escrevendo antes de poder continuar no dia seguinte. É necessário se exercitar, cansar o corpo, e é muito bom fazer amor com quem você ama. É melhor do que qualquer coisa. Mas, depois, quando estiver vazio, é necessário ler para não pensar ou se preocupar com o trabalho até poder trabalhar de novo. Eu aprendi a nunca esvaziar a fonte da minha escrita, mas sempre parar quando ainda havia algo lá no fundo da fonte e deixá-la se preecher com a água das nascentes que a alimentavam durante a noite.

Em resumo, você deve preservar sua criatividade. Escreva todos os dias e pare quando souber o que acontecerá a seguir. Depois que parar, descanse e esqueça do trabalho. Quando voltar, lembre-se de onde parou, o que acontecerá a seguir e deixe a imaginação fluir.


FONTE: https://bibliomundi.com/blog/dicas-de-grandes-autores-para-iniciantes/

DICAS PARA ESCREVER - EDGAR ALLAN POE

O autor americano, conhecido pelos poemas e contos macabros, valorizava muito a “unidade” da obra.

Isto é, para ele, era importante que seus trabalhos pudessem ser lidos de uma só vez e que tivessem um tom e conceito consistentes. Para isso, ele considerava essencial saber o final da história antes de começar a escrever.

Segundo ele, “todo enredo digno deve ser elaborado até o desfecho antes de se tentar fazer qualquer coisa com a caneta”. Ninguém é obrigado a seguir essa dica, mas existem muitas vantagens nesse estilo de escrita.

O gênero em que Poe escrevia, mistério e terror, se beneficiam muito dessa perspectiva. Nas palavras de Poe, sempre levar o final em consideração contribui para que o enredo tenha um “ar indispensável de consequência”.

Desde às tragédias gregas, nas quais o herói tem um destino inevitável, até o desenvolvimento de um senso de responsabilidade do protagonista, sempre existiu algo que movia a história até o final. Um enredo bem trabalhado mostra esse caminho de maneira que faça sentido.

Uma estratégia muito associada a essa noção é o foreshadowing, em português, “prenúncio”. São indícios deixados ao longo da obra que indicam possíveis desfechos. A ideia não é estragar o final, mas permitir que leitores ávidos percebam determinados sinais que explicam mais sobre a obra do que o óbvio.

Muitas vezes os sinais do foreshadowing só são percebidos ao se reler a obra e podem render excelentes discussões entre leitores que ainda não concluíram o livro ou série.





FONTE: https://bibliomundi.com/blog/dicas-de-grandes-autores-para-iniciantes/

CASA DA LITERATURA CATARINENSE

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